quinta-feira, fevereiro 26, 2004

"Parabéns pra você!
Nesta data querida..."

Dia de edição especial Ana Luíza em comemoração aos seus dois meses!

Antes, só pra vocês acompanharem minha pequerrucha, uma foto. Vocês lembram do cabelo do personagem do Agildo Ribeiro, que falava "Coisa horrorosa"? Olha o cabelo dele aí:


Ela está super bem. Adora tomar banho! Às vezes, faz um barulhinho pra chupar a chupeta que me lembra a Mary Simpson (quem conhece o desenho vai entender...). Dá muita risada, já começou a balbuciar sons e, a cada quinze dias, tem um acesso de choro de uns vinte minutos seguidos pra mostrar que, afinal de contas, ela não é um bebê de plástico (como diria minha tia Zica)!

Hoje de manhã, tivemos mais um "momento ternura". Olha só que legal:


Também quero contar pra vocês os eventos que envolveram o nascimento dela. Algumas coisas legais, outras nem tanto...

Sabe o quê? Não quero ficar falando de coisas tristes aqui! Escrevi um texto sobre os dias que antecederam o nascimento dela e vou disponibilizar pra quem quiser saber sobre o que aconteceu comigo, sobre o hospital, sobre o sistema de saúde e essas coisas. Clique aqui para ler essa parte da história. Vou contar nesse blog coisas mais divertidas... Como o registro, por exemplo...

O registro de nascimento dela devia ser feito no próprio hospital e o Vidal tinha quatro dias corridos para fazer isso. Se ela tivesse nascido numa segunda ou terça-feira, tudo bem. Mas ela nasceu na sexta. Portanto, o último dia para registrá-la era na segunda. Como vocês podem imaginar, o "balcão de registros" não funcionava nem sábado, nem domingo. Ela nasceu no início da tarde de sexta e, até chegarmos ao quarto, nos instalarmos e o Vidal poder sair pra ver o que precisava, já tinha fechado o guichê. Já comentei que aqui eles não ficam nem trinta segundos a mais do que o tempo regulamentar, né? Se possível, eles fecham antes até!

Mas, o Vidal já é "macaco velho" nessa história de registrar crianças e, depois de tantos meses em contato com a burocracia francesa, já estava escolado o suficiente para saber que devia chegar bem cedo e com todos os documentos necessários (até certidão de nascimento e passaporte do Felipe!). Não ia ter problema nenhum...

Na segunda-feira ele chegou ao hospital por volta das 11h30. Não era tão cedo quanto ele gostaria, mas, como o guichê fechava às 17h00 ele estava tranqüilo. Quer dizer, mais ou menos tranqüilo... "Deixa eu ir de uma vez lá! Esse pessoal deve fechar pro almoço e eu ainda quero fazer um monte de coisas de tarde. Ainda nem compramos o berço, a banheira! De hoje não passa!"

E ele foi. Fiquei no quarto esperando a chegada do registro francês da minha lindinha, quando vejo um Vidal, já meio vermelho, entrar no quarto e ir como uma flecha pro telefone. "Que foi?"

"Aqui na França as crianças não podem ter o sobrenome do pai e da mãe. Só pode um sobrenome!"

"Como assim? Mas a gente não viu que agora tem uma lei que muda isso?"

"Tem! Só que a lei entra em vigor dia primeiro de janeiro e hoje é dia 29 de dezembro!"

"E aí?"

"E aí que eu tenho de ter um documento dizendo que no Brasil é permitido ter dois sobrenomes!"

"Mas você não mostrou que o Felipe tem dois sobrenomes? Isso sem contar que eu mesma tenho dois sobrenomes! Isso não deixa claro que no Brasil é permitido?"

"Eu falei isso! Mas precisa de uma declaração do consulado brasileiro dizendo literalmente. Ela me deu o telefone de lá. Tô ligando. Péraí. Atendeu! Alô? Bonjour!"

E a ligação, estranhamente, continuou em francês. Consulado brasileiro? Ligação em francês? Devia ser alguma secretária.

O Vidal continuou falando. Em francês. "Comment? (Como é que é?) Pardon? (Como é que é?!) Et alors? (Como é que é?!!)". Desligou. Já era meio-dia.

"E aí?"

"Sei lá. Atendeu um homem. Parecia gago. Um francês horrível! Deve ser algum segurança... Disse que já está quase fechando mas que pode me esperar por mais meia hora. Quero ir de uma vez pra poder comprar pelo menos a banheira de tarde. E não dá pra esquecer que hoje é o último dia pro registro!"

Discutimos rapidamente a localização do consulado e o Vidal saiu. Fazia um tempo horrível. Frio até não poder mais. Vento. E a chuva. Não era torrencial, mas antes fosse! Pelo menos cairia de cima pra baixo somente. Nesses casos de chuva fraca e vento forte não tem como não se molhar. Olhei pela janela e vi que os pingos voavam em todas as direções, inclusive de baixo para cima! Fiquei meio com pena do Vidal, mas depois lembrei de todas as dores que eu estava sentindo e achei que uma chuvinha não era assim tão grave...

Depois de um tempo de espera, volta o Vidal. Não estava mais vermelho. Estava bordô! Da cor dos vinhos da cidade que queríamos ter ido visitar quando fui internada...

"Você não vai acreditar!"

O problema começou para achar o consulado. O endereço era Praça Graslin, número 3. Ele sabia qual era a praça. Beleza. Só que, chegou lá, procurou e viu que não existia o número 3! Ele rodou, rodou (literalmente, porque a praça é redonda) e não encontrou! O que fazer? Entrou num banco e perguntou. E olhem que para um homem pedir informações é porque o caso é grave mesmo! Disseram que era na esquina. Ele chegou lá e realmente tinha um prédio. Só que não tinha porta. Será que ele teria de escalar? Pra piorar, ele procurava uma bandeira do Brasil, uma placa com o símbolo da República e não via nada... Consulado tem de ter bandeira, não tem? Começou a desanimar. E ainda por cima (pela frente, pelo lado, por baixo...) a chuva!

Aí ele teve a idéia de procurar na rua lateral. Tinha uma porta! Etiquetas coladas ao lado dos botões do interfone se sucediam: Advogado, Médico, Dentista, Consulado Brasileiro, Detetive particular... Aha! Pelo menos existia. Era lá mesmo. Tocou o interfone (de novo a voz daquele homem estranho), subiu e entrou no consulado. (Ah! O detetive foi uma "licença poética", tá? Mas só o detetive...)

Pausa para uma descrição física do ambiente. Um prédio velhíssimo. (até aí tudo bem. O centro de Nantes só tem prédios velhos mesmo!). Uma única sala (também tudo bem, na Europa os espaços costumam ser bem otimizados...). Meio escura. Móveis velhos ("Não são antiguidades, pois isso custa caro e faz bem aos olhos, é velharia mesmo!"). Sem sofá (só duas cadeiras). Desorganização total. Papéis por todos os lados. Numa parede, uma foto do Fernando Henrique Cardoso colada com durex (eles estão meio desatualizados aqui). Na outra parede, uma grande bandeira do Brasil que não tinha a parte verde! Pelo menos, tinha outras três bandeirinhas brasileiras inteiras no aparador da lareira (pelo menos ele achou que aquele buraco negro fosse uma lareira) e... o que é isso? Uma bandeirinha dos Estados Unidos!!! Será que o Brasil foi invadido e não ficamos sabendo?! Avaliando o estado geral da sala, o Vidal chegou à conclusão de que tinha sido só a intenção de invasão ali pela década de 60, e que esqueceram de avisar o Cônsul que não tinha dado certo...

Outra pausa. O Cônsul. Era aquele que tinha falado com o Vidal no telefone. O gago. Uns 90 anos mais ou menos e... pasmem: espanhol! O Vidal ficou tão chocado que não conseguiu perguntar porque no consulado brasileiro tinha uma bandeira dos Estados Unidos no aparador da lareira e um Cônsul espanhol!!! E que não falava um francês muito fluente. Tudo bem. O Vidal estava com pressa. Sem tempo para amenidades.

Mas o Cônsul queria amenidades. Acho que fazia tempo que não aparecia ninguém pra conversar com ele. Alguém pra contar que o presidente era o Lula o que deixava evidente que os Estados Unidos não tinham conseguido invadir o país!

Agora me ocorreu uma coisa. Quase todo francês acha que no Brasil se fala espanhol. E o governo nomeia um Cônsul espanhol pra confirmar a crença deles!!! Como diria o pessoal do Casseta & Planeta imitando o FHC: "Assim não pode, assim não dá!"

O homem foi super atencioso. Simpático mesmo. Disse que o Vidal era muito jovem (avaliação relativa, né?) e que parecia ter, no máximo, uns 26 anos. O Vidal até já não estava achando tão ruim assim a conversa... Mas logo lembrou do prazo se esgotando e explicou a situação.

O Cônsul disse que havia um acordo entre Brasil e França explicitando que não seria necessário nenhum tipo de documento para provar que no Brasil são aceitos dois sobrenomes e que, portanto, ele poderia fazer o registro sem problemas. Qualquer coisa a mocinha podia ligar e ele confirmaria a história. Por isso o Vidal chegou tão rubro no hospital. Tinha tomado toda aquela chuva sem necessidade!!! E o guichê tinha fechado pro almoço. Ele estava começando a achar que ia ser difícil fazer tudo o que tinha previsto para a tarde...

Corta pro hospital. Eu, completamente chocada com o que o Vidal tinha contado, nem sabia o que dizer. Ele deu um tempo e foi pro guichê.

Esperei de novo a chegada do documento que provava que minha princesa já tinha feito sua estréia em terras francesas. Quando entra o Vidal. Dessa vez, púrpura!

"E aí?"

"Não deu! Eles EXIGEM um documento escrito!"

"O Cônsul não confirmou a história por telefone?"

"CONFIRMOU!!! Mas mesmo assim ela QUER um documento!!! Pediu pra ele mandar um FAX, mas ele disse que era melhor que EU fosse lá buscar o MALDITO DOCUMENTO às três horas da tarde!!!!!"

Vai ver que a moça não entendeu o francês do cônsul brasileiro que, afinal de contas, era espanhol e gago. Vamos dar um desconto pra ela, né?

Toca o Vidal pro consulado de novo. Na chuva. Pelo menos ele já sabia onde era.

Chegou lá. Novos salamaleques do Cônsul. Ele não deve ter enxergado o tom arroxeado com bolinhas brancas no rosto do Vidal...

E aí o Cônsul começou a fazer a declaração. Perguntou para o Vidal o que é que ele, Cônsul, deveria escrever no documento. A MÃO! Sim, porque, nosso consulado não tem nem máquina de escrever, quem dirá uma coisa assim tão avançada como um computador! Não! Não ia combinar com a decoração anos 80 do ambiente. 1880! Pelo menos a caneta era esferográfica. Nem era nem caneta tinteiro, vejam que moderno... Por isso o Vidal tinha de ir lá. É óbvio! No consulado não tem fax!!!

Depois ele carimbou o documento (era oficial, não era? Ainda bem que em 1880 já existia carimbo). Duas vezes. "Pra ficar mais autêntico, sabe?" E então, a apoteose: ficou alguns minutos segurando o papel próximo à luz do abajur para secar a tinta mais rápido! Mencionou isso!! E, a cada vez que o silêncio ficava insuportável, ele dizia: "Dois carimbos! Para dar mais credibilidade!" E segurava o papel sob o abajur. Repetiu isso não uma, mas quatro vezes!!! O Vidal só juntou o queixo que estava no umbigo na hora de pensar em protestar pelos 20 Euros que ele cobrou pelo serviço. "O consulado não recebe verba nenhuma do governo, sabe?". "Dá pra acreditar pelo estado geral do lugar..." Isso ele só pensou. Não falou. Não tinha voz para tanto.

Voltou voando pro hospital. Eu, no quarto. Não conseguia andar direito, portanto, só sabia do que estava acontecendo por meio das notícias que recebia pelo meu pai que, de vez em quando, ia perto do lugar onde o Vidal estava esperando para ser atendido.

Uma hora e meia de espera. "Vai fechar. Vai fechar. Essa p...rra vai fechar!". Palavras do Vidal. Vocês conhecem. Uma única vez meu pai chegou perto do meu tranqüilo marido e perguntou se daria tempo. Ele disse que aqueles laz...ntos não seriam loucos de fechar aquela b...sta sem atendê-lo e que ele quebraria toda aquela m...rda se eles OUSASSEM fazer essa c...ada (ele só é assim tão gentil em momentos extremos). Só fiquei sabendo desse desabafo depois. Meu pai não quis me preocupar mas, por via das dúvidas, resolveu manter uma distância segura de uns três metros quando ia fazer suas inspeções. Mesmo assim dava pra enxergar as manchas verde-azuladas que se espalhavam por todo rosto e corpo dele. Pelo menos já tinha secado toda a água da chuva que ele tinha tomado. O aquecimento aqui é uma beleza!

O guichê não fechou e o Vidal conseguiu ser atendido. Já eram quase cinco horas. Tudo o que ele pensava em fazer tinha dançado. A moça pegou o documento. Leu. Olhou pro Vidal. Olhou pro documento. Olhou de novo para o Vidal.

"Veja bem senhor, eu não entendi nada do que ele escreveu aqui. Pra mim esse documento não tem valor nenhum".

Nem os carimbos tão cuidadosamente secos no calor do abajur deram qualquer credibilidade... Talvez fosse algum problema na caligrafia oitocentista do Cônsul... Ou ele esqueceu que devia escrever em francês e, como bom Cônsul brasileiro, escreveu em espanhol, não sei. Só sei que, naquele momento deve ter nascido um anjo no céu e, como ainda estava sem designação, resolveu dar uma força pro Vidal.

"Mas eu vou aceitar."

Pode ser que ela tenha ficado com pena do Vidal e visto que ele era um cara legal. Também é possível que ela tenha ficado assustada com aquelas nódoas negras que começavam a aparecer e com a expressão de fúria no rosto dele... Não sei se vocês já tiveram a oportunidade de ver essa expressão. Não recomendo.

Enfim, o registro foi feito. O Vidal ainda teve de corrigir a profusão de hífens que ela tinha distribuído pelo nome da Ana Luíza (todas as palavras compostas em francês têm hífen) e inverter os sobrenomes. Voilá! Ana Luíza Vermelho Martins agora existe pra valer! Ela não é francesa (já que os pais são brasileiros) nem brasileira (já que ainda não tem registro no Brasil). Na verdade, a gente não sabe o que ela é! Vamos deixar pra descobrir isso um outro dia. Vai que eles pedem pra gente fazer algum documento no consulado...

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