quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Estive pensando esses últimos meses e cheguei à conclusão de que o tempo passa, mas as coisas não mudam tão profundamente assim. Vou explicar. Quer dizer, na verdade, acho que uma historiazinha pode explicar melhor o que eu quero dizer.

Imaginem, então, o seguinte: um grupo de amigas conversando. O ambiente é uma sala de estar na casa de uma delas. Elas estão sentadas em roda, um café fumegante nas xícaras de porcelana colocadas sobre a mesa coberta com uma toalha de crochê, um pratinho de sequilhos recém-saídos do forno e todas falando e rindo muito. Mas o principal é a época. O ano é alguma coisa no início do século passado. Lá pelas tantas, uma delas pergunta:

- E a Fulana? Por que ela não veio hoje?

- Você não sabe?! - pela cara de espanto de todas as outras, a única que sabia o que tinha acontecido com a Fulana era ela mesma – Ela decidiu que vai trabalhar fora! Começou hoje.

Uma seqüência de "ohs" e "nãos" chocados se espalhou pelo ambiente.

- Como assim, trabalhar fora?

- Trabalhar fora. Sair de casa pra trabalhar e ganhar um salário pra isso.

- Não é possível!

- Mas como?

- Assim de uma hora pra a outra?

Então um silêncio de algumas toneladas despencou no meio delas. Algumas pensavam "é louca", outras, "que boa idéia!". E então, uma chuva de perguntas caiu sobre a única colega que parecia saber da vida da Fulana:

- Mas por que isso agora?

- Ela disse que quer ter o espaço dela. Que estava se sentindo sufocada.

- Mas e o marido? Ele está de acordo?

- Ela disse que está...

- Um dia ela vai querer voltar e vai encontrar outra no lugar dela, isso sim!

- Ela disse que sabe que está correndo esse risco...

- E os filhos? Eles vão ser apontados na escola, vão ser os únicos com a mãe nessa situação. Será que ela não pensa nas crianças?

- Pois é, eu disse isso pra ela.

- E nós! Quando nos encontrarmos, ela vai ficar deslocada, não vai ter mais assunto!

- Também disse isso pra ela, e ela disse que vai ser uma pena se isso acontecer, mas que ela sabe que tem várias mulheres que estão tomando a mesma atitude e que ela vai ter com quem conversar, sim.

- Não é verdade! Quem? Só estiverem fazendo isso escondido. Eu não conheço nenhuma! Quer dizer, agora conheço: a Fulana!

Novamente um silêncio constrangedor no ar... Cada uma perdida em seus próprios pensamentos, tentando entender a atitude da Fulana. Algumas realmente penalizadas, achando que a Fulana de repente tinha ficado menor, tinha passado a pertencer a um grupo, de certa forma, inferior. Outras talvez até estivessem pensando "E se eu fizesse a mesma coisa? Não! Não teria essa coragem...".

Então uma delas resolve aliviar o clima, mudar de assunto. Vira para o lado e, mostrando seu trabalho diz:

- Você podia me ajudar aqui com esse bordado? Não estou conseguindo interpretar esse gráfico...

Agora um outro cenário, uma outra época.

Um grupo de amigas conversando (podem até ser filhas ou netas das outras amigas, quem sabe...). O ambiente é um canto de uma sala numa empresa qualquer. Elas estão em pé numa rodinha, um café fumegante, recém saído da cafeteira, nos copinhos de plástico, um potinho cheio de bolachas água e sal (afinal, estão todas de dieta) na mesinha coberta com papel toalha que está do lado da máquina de xerox e todas falando e rindo muito. O ano é alguma coisa bem recente, início deste século XXI. Lá pelas tantas, uma delas pergunta:

- E a Fulana? Por que ela não veio hoje?

- Você não sabe?! - pela cara de espanto de todas as outras, a única que, novamente, sabia o que tinha acontecido com a Fulana era ela mesma – Ela decidiu que vai parar de trabalhar fora! Pediu demissão.

Uma nova seqüência de "ohs" e "nãos" chocados se espalhou pelo ambiente.

- Como assim, parar de trabalhar fora?

- Parar de trabalhar fora. Voltar pra casa pra cuidar do marido e dos filhos sem ganhar um salário pra isso.

- Não é possível!

- Mas como?

- Assim de uma hora pra a outra?

Então um silêncio de algumas toneladas despencou no meio delas. Algumas pensavam "é louca", outras, "que boa idéia". E então, uma chuva de perguntas caiu sobre a única colega que parecia saber da vida da Fulana:

- Mas por que isso agora?

- Ela disse que quer ter o espaço dela. Que estava se sentindo sufocada.

- Mas e o marido? Ele está de acordo?

- Ela disse que está...

- Um dia ela vai querer voltar e vai encontrar outra no lugar dela, isso sim!

- Ela disse que sabe que está correndo esse risco...

- E os filhos? Eles vão ser apontados na escola, vão ser os únicos com a mãe nessa situação. Será que ela não pensa nas crianças?

- Pois é, eu disse isso pra ela.

- E nós! Quando nos encontrarmos, ela vai ficar deslocada, não vai ter mais assunto!

- Também disse isso pra ela, e ela disse que vai ser uma pena se isso acontecer, mas que ela sabe que tem várias mulheres que estão tomando a mesma atitude e que ela vai ter com quem conversar, sim.

- Não é verdade! Quem? Só estiverem fazendo isso escondido. Eu não conheço nenhuma! Quer dizer, agora conheço: a Fulana!

Novamente um silêncio constrangedor no ar... Cada uma perdida em seus próprios pensamentos, tentando entender a atitude da Fulana. Algumas realmente penalizadas, achando que a Fulana de repente tinha ficado menor, tinha passado a pertencer a um grupo, de certa forma, inferior. Outras talvez até estivessem pensando "E se eu fizesse a mesma coisa? Não! Não teria essa coragem...".

Então uma delas resolve aliviar o clima, mudar de assunto. Vira para o lado e, mostrando seu trabalho diz:

- Você podia me ajudar aqui com essa planilha do Excel? Não estou conseguindo interpretar esse gráfico...

Agora me digam: não é verdade? Os tempos são outros mas os dilemas femininos, nem tanto. Pensei tudo isso porque passei pela situação de ter de parar de trabalhar para ficar em casa cuidando da família. Antes de vir pra cá fiz o Vidal prometer cinqüenta e duas vezes que ele não ia me achar menos importante porque eu passaria a ser "só" dona de casa. Aqui mesmo, sempre que me perguntam se eu trabalho fora, digo que não e já emendo "meu visto não me permite trabalhar fora", pra ninguém ficar pensando isso ou aquilo... Que loucura! E pensar que até relativamente pouco tempo atrás as coisas eram totalmente invertidas.

Por isso hoje queria fazer uma homenagem a várias mulheres. De propósito, não vou publicar isso no dia 8 de março porque acho simplesmente O FIM essa coisa de "Dia Internacional da Mulher". Quero parabenizar aquelas mulheres que tiveram a coragem de sair de casa quando tudo e todos estavam contra, mas também quero declarar minha admiração àquelas que, recentemente, decidiram voltar pra casa. Por um tempo ou pra sempre, tanto faz. E por escolha própria, sem ser por falta de alternativa, como foi o meu caso. Como essas últimas estão mais próximas de mim, vou citar alguns nomes. Beth, Cristiane, Sueli, Silvana... Quanta coragem vocês tiveram! Todas as outras, que não fizeram isso, são também corajosas porque vivem a eterna divisão "se saio pra trabalhar, não cuido dos filhos, do marido da casa, mas se fico em casa, não cuido de mim. Só que, saindo pra trabalhar fora todos os dias, não tenho tempo pra nada, mas também, se resolver ficar em casa, aí não vou ter dinheiro pra nada... oh vida, oh mundo cruel...".

Quer dizer, mulherada, não importa o que a gente faça, sempre vai estar em conflito. Então o negócio é relaxar e viver do jeito que a gente quiser de verdade. E ainda tem a TPM! Acho que a gente merecia receber do divino um adicional por insalubridade, não é?

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Estamos de volta!

Claro, todo mundo já sabe disso, faz quase um mês... Sei que estou em dívida literária com nesse blog. Mas demoramos um tempinho até entrarmos nos eixos de novo. Uns, como o Vidal, foram mais rápidos. Quando ele chegou o cavalo já estava encilhado e andando, então ele montou, pegou nas rédeas e saiu galopando a toda velocidade. Outros, como eu, precisaram de mais tempo... No meu caso montei um jeguinho esquálido e demorei umas duas semanas até me sentir de novo no ritmo. Que coisa isso! Eu não imaginava que uma simples viagenzinha de 26 horas na ida, 23 horas na volta, que durou quase 40 dias fosse causar um estrago desse tipo!

Vimos tanta gente, falamos tanto e temos a impressão de que não vimos nem falamos o suficiente... Tudo bem. Em um ano e meio estamos de volta...

Apesar de cansativa, a viagem foi boa. Claro, tivemos alguns momentos tensos, mas nada grave. O primeiro deles aconteceu com o Vidal e foi dividido em duas partes: no dia em que saímos e no dia em que ele voltou à Universidade...

O Vidal tem um colega que divide a sala com ele, chamado Reza. Ele é iraniano e é uma pessoa super legal. Um bom companheiro para o Vidal que partilha os bons e maus momentos, além de ser alguém com quem ele pode conversar tecnicamente sobre o trabalho. Os dois se apóiam mutuamente nesse período que não tem nada de tranqüilo.

Pois bem. Vocês podem imaginar que a diferença de cultura entre iranianos e brasileiros é bem grande e ela já se fez notar várias vezes nesse um ano e meio de convivência entre os dois. Nada de muito grave de ambas as partes. Mas no dia em que o Vidal foi se despedir do Reza...

Ele chegou na Universidade pra pegar algumas coisas antes de sair e foi dizer tchau. Um simples tchau. Não era uma despedida definitiva. Só um “Então tá! Tô indo... Daqui um mês estou de volta, patati, patatá...” e aí, na hora do aperto de mão... Plaf! O Reza lascou três beijinhos no Vidal! Vocês já imaginaram um marmanjo dando três beijinhos no Vidal? Conseguem fazer uma idéia da reação dele? Nesse caso, foi uma absoluta falta de reação! Ele ficou meio catatônico por alguns segundos, com a mão ainda estendida no ar, a boca entreaberta, emitindo sons meio guturais como “ahn.... eh.....”. E o problema maior nem foi esse! O problema foi que o Vidal ficou os 40 dias ai no Brasil só tentando imaginar como ia ser na volta!!! E esse dia chegou...

Chegamos no domingo à noite e na segunda-feira cedo o Vidal já estava na Universidade. Ele chegou, abriu a porta da sala devagar, foi colocando a cabeça pra dentro e respirou aliviado. O Reza ainda não tinha chegado. Durou pouco o alívio. Uma meia hora mais tarde, o Vidal já estava concentrado no computador, limpando o lixo da caixa postal e, o pior, de costas para a porta. Então ele não teve a chance de se preparar para o golpe! Sim, porque ele veio! O Reza chegou e foi cumprimentar o Vidal. O tradicional aperto de mão. O Vidal com o braço meio duro, o pescoço esticado para trás, mas... Plaf, plaf, plaf! Três beijinhos de novo.

Naquele dia o Vidal chegou em casa completamente injuriado!

- Assim não vai dar! Espero que tenha sido só por causa do tempo longe e da distância! Mas se ele começar a adotar esse hábito todos os dias eu vou ser obrigado e a dizer que no meu país as coisas não são assim, que pra mim isso pega mal, que eu sou um professor universitário, pai de família, alérgico a testosterona, sei lá!

Mas vocês podem respirar aliviados... Foram só esses dois episódios mesmo! Tudo bem que o Vidal já está se preparando psicologicamente para o dia em que formos embora definitivamente! Talvez ele boicote as despedidas finais. Ele ainda está bolando alguma coisa...

Esse foi o primeiro episódio, digamos assim, delicado. O segundo aconteceu comigo.

Na ida, no momento em que estávamos passando pelo detector de metais e pelo raio X da bagagem de mão, já em Paris, eu fui chamada por um inspetor.

- De quem é essa mala?

- É minha.

- A senhora está levando uma faca aqui dentro?

- Faca? Não!

- Foi a senhora quem arrumou essa mala?

- Sim, fui eu.

- Pode abri-la, por favor?

Abri a mala e ela estava cheia de fraldas. Olhei para o inspetor com uma cara de “será que fralda corta”? Mas ele insistiu.

- A senhora não está levando um descascador de legumes aí dentro?

Aí caiu a ficha...

Como nosso orçamento aqui é gordo como um faquir, não podíamos levar presentes para todos como gostaríamos. Mas também não queríamos chegar de mãos tão vazias, então compramos uns chocolates e, para a mulherada da família, eu tive a idéia de levar um descascador de legumes. Eu já tinha vontade de comprar um desses quando estava aí no Brasil, mas como cozinhava uma vez a cada dois meses mais ou menos, acabava nunca comprando. Aqui a realidade é outra e eu já não posso mais viver sem um descascador de legumes. E, o melhor, ele é bem baratinho! Fui a um supermercado e comprei alguns. Eu devia ter imaginado que eles iam me dar problemas... No dia em que eu comprei as faquinhas a moça do caixa já me olhou com uma cara meio esquisita...

Isso quer dizer então, que eu não estava levando um, mas sim NOVE descascadores de legumes na minha bagagem de mão.

Levantei as fraldas e peguei a sacolinha onde estavam os objetos perfuro-cortantes impensáveis dentro de uma cabine de avião nesses tempos de terroristas loucos. Mas o pior nem foi isso...

Quando eu retirei a sacolinha, o inspetor pousou os olhos num tubo de cola spray para tecido. Um produto francês para patchwork super legal que eu estava querendo mostrar para minhas amigas aí no Brasil. Ele pegou a cola e eu falei:

- Ah! Isso é uma cola. Uma coisa ótima, eu faço patchwork, sabe... E essa cola é francesa, só tem aqui. Ela é o máximo e.... Ei! O que o senhor está fazendo?

Ele estava tirando a cola da mala e jogando no mesmo saco de lixo onde tinham ido parar os meus descascadores...

- Isso aqui é uma arma, madame!

E me mostrou um inocente desenho de um foguinho na embalagem.

- Isso aqui dentro de uma cabine de avião é um perigo. E eu não posso deixar a senhora entrar armada e com explosivos na aeronave.

Eu fiquei chocada. O Vidal até tentou me ajudar, dizendo que os descascadores tudo bem, ele até entendia, mas a cola. Será que não daria pra eles enviarem pra nossa casa aqui na França pelo correio? Precisava jogar no lixo sem dó nem piedade?

- E quem vai fazer isso, senhor?

Assim, super simpático. Mas aí ele viu meus olhos e nariz vermelhos, as lágrimas começando a correr pelo rosto e disse:

- Mas por que a senhora não despachou isso na bagagem embarcada? - olhou no relógio - Agora já não dá mais tempo...

Minha vontade foi de gritar:

- Porque eu não tinha nenhuma intenção de seqüestrar esse avião! Ele está indo exatamente para onde eu quero!!! Por acaso eu tenho cara de terrorista? Buááááááá.....

Mas eu vi que ele estava até meio penalizado com o meu estado. Não disse nada... Só fiquei olhando para o saco de lixo, onde estavam meus descascadores de legumes, quer dizer, meus não, de vocês, e a minha colinha... Buáááááá de novo!

O Vidal foi me empurrando.. “Deixa pra lá... Tudo bem, quanto custou tudo isso, 15, 20 Euros? Não tem problema...”

Mas eu fiquei inconsolável por uns 10 minutos. Depois passou.

É CLARO que eu vou levar de novo os descascadores de legumes quando formos embora definitivamente. Dessa vez, vou colocar dentro da mala que vai despachada, é óbvio! Mas que eu fiquei bem decepcionada.... Ah, fiquei.

Isso é passado, agora é tocar pra frente esse um ano e meio que ainda temos por aqui. Tenho várias coisas pra contar, mesmo coisas que já passaram, mas que merecem fazer parte dessas nossas memórias cibernéticas. Aguardem! Vamos ver se eu consigo ser mais assídua por aqui.

Até a próxima!