sábado, dezembro 04, 2004

Olá! Vim espanar as teias de aranha deste blog! O mês de novembro passou em branco! Claro que tem uma explicação. Aliás, uma não! Várias...

O mês começou com o Felipe internado de novo! Quatro dias no hospital, novamente por causa de uma crise de asma. Mais uma vez dias difíceis, mas que já passaram.

Ainda antes da internação do Felipe, o Vidal já estava trabalhando direto a fim de terminar uma parte do trabalho antes de irmos ao Brasil. Amanhã ele vai completar o oitavo final de semana seguido em que ele trabalha. Nos últimos dois meses não escapou nada: nem sábado, nem domingo, nem os raros feriados que temos por aqui. Ele trabalhou quase todas as noites em casa, muitas madrugadas, às vezes, a noite toda. Tudo isso para ir encontrar todos vocês aí, vejam que importantes vocês são!

Para encerrar o período meio turbulento, ficamos uma semana sem internet. Trocamos de provedor e a internet deixou de funcionar na quinta-feira da semana passada. No sábado liguei para reclamar e soube que teria de esperar talvez até o fim desta semana para ter o problema resolvido. Hoje acordei indignada e tinha decidido que os franceses iam enfim saber o que é estar diante de uma brasileira que "roda a baiana"! Mas parece que eles descobriram as minhas intenções e deram um jeito de resolver o problema. Enfim, estamos mais uma vez de volta ao mundo virtual!

Uma pena esse mês turbulento! Eu tinha umas boas histórias pra contar antes de irmos. Ainda nos restam quatro dias... quem sabe eu não consigo?

Se por acaso não der, nos encontramos aí, no verão, sob o sol e no calor! Para amanhã está prevista a amena temperatura de zero grau de manhã. Que tal? Temos ou não temos razão de querer que a quarta-feira chegue logo?

Se por acaso eu não escrever antes de irmos, um bom Natal e um ótimo Ano Novo pra todo mundo que não encontrarmos pessoalmente! Só voltamos para a França no dia 15 de janeiro. Até lá, este blog vai estar de férias no verão brasileiro!!! Issa!!!

terça-feira, novembro 02, 2004

Fiquei sabendo que o Fantástico fez uma reportagem com o T-Rio!
Os fãs mais assíduos desse blog estavam na frente, hein?!!!
Conhecer pessoas em auto-exílio tem lá suas vantagens...

quarta-feira, outubro 27, 2004

Esses dias estava pensando na nossa ida ao Brasil e me toquei de uma coisa super importante: vou comer uma comida que não fui em quem fez! Não que eu não esteja cozinhando direitinho, muito pelo contrário (modéstia à parte...) Mas sempre é bom variar um pouquinho, né?

Eu sempre gostei da idéia de cozinhar. Digo que eu sempre gostei da idéia porque eu não conseguia fazer isso muitas vezes. Vivia comprando livros de receitas para os acepipes que, um dia, eu faria... Pois bem, esse dia chegou e eu tive de deixar todos os meus livros de receitas aí no Brasil! Trouxe um Dona Benta básico, um da Ofélia para os momentos de desespero, mais uma ou outra coisinha e só! Daí cheguei aqui e me vi diante de panelas vazias e estômagos, idem.

Preparei uma primeira refeição e até tirei uma foto pra registrar o momento solene:


Essa cara de felicidade dos dois foi ANTES de comer. Na verdade, aquela comida era horrível (eu tinha comprado um prato pronto pra ser mais rápido), o suco era intragável e a salada... Bem, a salada fui eu quem fez desde o começo. Mas não sei se foi o cansaço, a pressa ou só a minha falta de jeito mesmo, mas na verdade eu acabei colocando detergente de louça na hora de temperar a alface. A cor era a mesma!!! Claro que eu percebi a tempo e enxaguei bastante. Pelo menos tenho certeza de que nunca comemos uma salada tão limpinha!

Nos dias seguintes eu fui melhorando as coisas. Comecei a me aventurar em alguns pratos, se bem que a cozinha do flat não ajudava muito. Tinha poucas panelas, o fogão só tinha duas bocas, o forninho elétrico era minúsculo... Tá! Tá! E eu era totalmente sem jeito! Tenho de confessar...

Mas sobrevivemos e nos mudamos para cá. Acabaram as minhas desculpas. Eu tinha espaço e panelas. Inclusive o meu caldeirão de pressão (sobre o qual eu já falei pra vocês).

Uma das primeiras coisas que a gente fez aqui foi instalar a TV por satélite por causa do Felipe. Queríamos que ele se sentisse bem e nada como os Power Rangers, mesmo falando em francês, para levantar o astral dele. Mas qual não foi a minha surpresa quando descobri que, entre os vários canais que estavam à disposição, tinha um chamado Cuisine TV. Isso mesmo. Só culinária, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Receitas, dicas, filmes, técnicas, um monte de coisas! Comecei a assistir sempre que podia. Me cadastrei no site deles na Internet (tem todas as receitas lá, é ótimo!) E, pouco a pouco, fui tomando coragem para tentar algumas receitas...

Fui me empolgando, já estava quase me achando o máximo. Daí minha mãe veio para cá para me ajudar no fim da gravidez e nos primeiros dias da Ana Luíza. Descobri que meu caminho era longo ainda...

Não é que eu não estivesse cozinhando direitinho. Estava. Só que eu fazia coisas meio diferentes, tudo com receita, em poucas palavras, coisa de principiante. Aquilo de pegar um frango à unha, fazer uma carne de panela, um bom ensopado... Isso eu não fazia... Mas, em vez de me deixar abater, resolvi enfrentar o problema de frente. Aproveitei que a minha mãe estava por aqui e pedi para que ela escrevesse umas receitinhas básicas. Só o que fosse mais complicado como um arroz temperado, uma carne de panela... Ninguém nasce sabendo, né?

Logo que ela foi embora, retornei às minhas atividades culinárias. Tinha ficado um repolho meio pela metade na geladeira e eu decidi que aquele repolho ia marcar o início de uma nova era: resolvi fazer um cozido! Coisa de cozinheira mesmo! Daquelas de lenço na cabeça, avental e chinelo de pano! Uma verdadeira tia Anastácia!

Procurei no site da Cuisine TV algum prato com repolho e achei: "Potée au chou" (algo como cozido de repolho). Perfeito. Meu primeiro problema foi com os ingredientes. Olhei a lista e vi que eu ia precisar de: carotte, navet, poireau, une botte de céleri entre outras coisas. Tirando a carotte que eu sabia que era cenoura, quanto ao resto, fiquei boiando como folhas de couve numa sopa. Peguei o dicionário e traduzi tudo. Minha lista era composta de, em bom português, cenoura, nabo, alho-poró e um ramo de aipo. Melhorou, né? Só se foi pra vocês porque eu fiquei mais ou menos na mesma! Nunca tinha visto aquelas coisas pela frente (com exceção das cenouras, é claro). Decidi pegar minha listinha e ir ao supermercado mesmo assim. Felizmente eles têm a bondade de colocar o nome das coisas nas gôndolas. Às vezes colocam até a foto do lado. Acho que não sou a única perdida...

Não deu outra! Para minha felicidade, cada coisa daquelas que estava na lista, estava também na parte de frutas e verduras do mercado com seu nomezinho marcado embaixo. Só não consegui achar os nabos. Fiquei tentando imaginar como seriam nabos. Tenho de confessar: coisas obscenas passaram pela minha cabeça... Achei que o melhor era pedir informações. Tinha uma mocinha arrumando uns legumes. Cheguei perto dela, me apoiei numas bolotas brancas e falei:

- Por favor, você poderia me dizer se tem nabos hoje? Eu não consegui encontrar...

Ela olhou pra mim com uma cara de "não entendi" e falou:

- São esses aí.

Eu estava com a mão em cima deles! Tudo bem, acontece. Murmurei um "Nossa! Que cabeça a minha!", peguei os ditos cujos e me mandei pra casa.

Descasquei tudo, cortei, preparei a cebola espetada com cravos, lavei o ramo de aipo, piquei tudo direitinho, coloquei no meu caldeirão e mandei ver. Ficou ótimo! Nem acreditei! Cheguei a repetir a dose. De novo um tremendo sucesso! Só teve uma coisa que eu não fiz direito da primeira vez e que corrigi na segunda... Foi com o ramo de aipo.

O aipo tem uma haste bem grossa e comprida com várias folhas parecidas com uma salsinha gigante na ponta. O negócio é grande mesmo. Uns 40 ou 50 cm de comprimento. Desses, mais da metade é caule, o resto são ramos de folhas. Na segunda vez que eu fiz o cozido, fiquei pensando que era um pecado jogar aqueles caules fora. Cortei uma parte deles e pus no cozido. Ficou bom também. Daí comecei a prestar atenção aos programas da Cuisine TV que faziam receitas com aipo e percebi que tinha me enganado da primeira vez. O que eles colocavam nos pratos eram os caules, não as folhas. Basicamente, o que eu fiz foi o seguinte: coloquei no cozido o que era pra jogar fora e joguei fora o que era pra colocar no cozido! Mas ficou bom mesmo assim, isso é o que importa.

Tive alguns maus momentos, é verdade. Uma vez fiz um pão com peito de frango e estragão. E aquele estragão... estragou tudo! Eu tinha pego a receita na Internet e tinha um erro lá. Em vez de 5g da erva, estava escrito 50g. Comprei um pacotinho de estragão fresco e vi que o peso era de 11g. Coloquei tudo. Foi mais do que o dobro da dose necessária. Ficou meio forte. Ainda bem que não comprei 5 pacotinhos de estragão! Aí sim teria estragado de vez!!!

Além disso, tinha o arroz. Ah, o arroz... Esse "calo" na minha vida! Eu estava bem feliz com meu arroz de pacotinho. Sempre dava certo. Aí minha mãe veio para cá e começou a fazer arroz de verdade. Quando ela foi embora, o Vidal, assim como quem não quer nada, comentou:

- Poxa, mas o arroz de pacotinho é bem pior que o outro, né?

Entendi o recado! Ia ter de fazer arroz de verdade também!

Os meus problemas com o arroz são os seguintes: ou eu deixo queimar, ou fica uma papa, ou fica sem sal, ou tudo isso ao mesmo tempo! Além do que, lavar uma panela de arroz é uma coisa abominável!

Minha disputa com o arroz é grave! Uma vez veio um casal jantar aqui em casa e eu fiz Feijão Mexicano. O acompanhamento é arroz. Fiz uma quantidade e achei que era pouco. Fiz mais um tanto. Quando o Vidal chegou, mostrei a panela pra ele e perguntei o que ele achava. O Vidal é super sincero e nem precisou falar nada pra que eu entendesse tudo. Eu, já meio desesperada, disse que tinha outra panela no forno e que eu podia tentar salvar a situação com ela. Mas, quando levantei a tampa, eu mesma me dei conta da calamidade. Sim porque, como eu não tinha colocado shoyo na água de cozimento do arroz, então aquela cor de caramelo só podia significar que ele tinha passado da conta na hora de fritar! Pensei em colocar uma luz meio indireta na sala, por exemplo, apagar tudo e deixar a televisão ligada para criar um clima de mais intimidade, assim não daria pra enxergar o arroz... Mas desisti. Como muitas vezes a melhor defesa é o ataque já de cara fui admitindo para os nossos amigos que eu sabia fazer um monte de coisas na cozinha, menos arroz, que ele era ruim mesmo e pronto!

Só que os pedidos do Vidal começaram a se repetir. Eu não tinha outra alternativa. E depois, quem já fazia "Clafoutis au Brocolis", "Tartiflete", "Tarte aux Épinards" além de um magnífico "Potée au Chou", não poderia se deixar vencer por um mísero arroz, né?

As primeiras tentativas foram catastróficas. Quando os grãos caíam de cinco em cinco eu já achava que tinha feito o campeão do arroz soltinho. Tudo bem que ele não se soltava da colher com facilidade, mas saía da panela! Branco!!! Não me deixei abalar. Lembrei que, entre os poucos livros de receita que eu trouxe, tinha uma revista bem legal. Eu achava que falava alguma coisa de arroz lá. Dito e feito! Estava na capa: "Iniciantes - Receitas básicas e superfáceis, do arroz ao cafezinho". Fiquei meio deprimida... Eu, que já tinha feito um "Hachis Parmentier" (Madalena, para os íntimos) era reduzida ao nível iniciante! E pior! A escala iniciante ia DO arroz AO cafezinho, o que quer dizer que eu estava no nível mais baixo que se pode atingir!!! Respirei fundo, peguei a revista e fui para a cozinha. Segui à risca tudo o que dizia lá. Tim tim por tim tim. Tudo medido. Duas colheres de sopa de óleo. Uma colher de sobremesa de cebola picada. Fritar dois minutos. Liga o fogão e olha para o relógio. Contei os segundos! Fiz exatamente o que dizia lá e... deu certo!

Fiquei contente. Ainda umas duas vezes peguei a revista para seguir a receita na hora de fazer o arroz. Daí comecei a pegar confiança e a tentar vôos mais altos. O tombo só foi maior. Voltei às panelas grudadas e aos grãos colentos. Tudo bem, uma vez eu desconfiei daqueles caracteres estranhos na embalagem e me toquei do óbvio: japonês come arroz de palitinho! Não dá pra ficar soltinho mesmo e arroz de japonês SEMPRE vai ficar papento. Mas nem mudando de arroz... Nada dava certo definitivamente.

Vocês pensam que eu desisti?! Claro que não!

Acabei entrando no Orkut, uma invenção da internet onde a gente cria um grupo de amigos, pode participar de comunidades. Uma coisa legal. Me inscrevi em duas comunidades de culinária. E descobri, feliz, que eu não era a única! Tinha mais gente com o mesmo problema! Uma menina pedia ao grupo que a ajudasse explicando como fazer para o arroz ficar soltinho. Li todos os conselhos, tentei e funcionou. E o melhor: nunca mais errei! Ufa! Economizei uns cinco anos de terapia com o Orkut. Santa internet!

Aí me empolguei de vez. Comecei a testar temperos. Meu êxtase foi usar alecrim num frango assado. Fazer um frango assado já era, para mim, uma aventura. E, ainda por cima, com alecrim! E sem livro de receita! Um outro dia fiz uma carne de porco de panela. Com legumes cozidos! É ou não é comida de mãe de verdade?

Mas nada, nada mesmo, me deu tanto prazer quanto fazer um mexidinho. Para quem não sabe, o mexidinho é uma receita de família. Sua origem se perde nas cozinhas das fazendas no interior de Minas Gerais. Um mexidinho é sempre uma surpresa. Uma boa surpresa. Eu tinha esquecido da existência dele até que minha mãe fez aqui em casa e o Vidal se apaixonou... Pelo mexidinho, não pela minha mãe!!!

Logo que ela foi embora, me arrisquei. Fiz meu primeiro mexidinho... Não dá pra descrever o que senti naquele dia. Eu e o Felipe sentados ali na cozinha, um silêncio solene no ar e nossos mexidinhos fumegantes no prato. Senti a presença da minha mãe na cozinha. Não só dela, mas também das minhas tias, da minha avó, e de tantas outras mulheres dessa família que também já fizeram seus mexidinhos. Todas sobre o meu ombro, esperando pela primeira garfada e pelo hummmmm de aprovação. Ainda bem que espíritos não ocupam espaço. Não ia caber tanta gente na minha cozinha. Fiquei pensando no dia em que eu mesma vou passar essa tradição para a Ana Luíza...


Se um cozinheiro francês visse um mexidinho teria uma reação forte. Proporcional à quantidade de estrelas que ele possui no guia Michelin (um guia que classifica os cozinheiros e os restaurantes. Dizem que um cozinheiro se suicidou quando perdeu uma estrelinha do guia Michelin). Quanto mais estrelas, mais forte a reação. Uma estrela: uma síncope. Duas estrelas: uma síncope seguida de uma parada respiratória. Três estrelas: um infarte fulminante! Sim, porque a aparência de um mexidinho é qualquer coisa de estranho. O mexidinho é feito com todas as sobrinhas que existem na geladeira. Por isso ele é sempre uma surpresa. Mas, o sabor... Ah, o sabor. Nenhuma constelação inteira no guia Michelin poderia classificar um mexidinho...

Uma vez tentei inovar: estava empolgada com os temperos e coloquei tomilho no mexidinho. Ficou péssimo, é claro! Como o próprio nome diz, um mexidinho só pede coisas no diminutivo: uma salsinha, uma cebolinha, um feijãozinho, uma carninha e, até mesmo, uma abobrinha (que é uma coisa que eu deploro). Tomilho é demais! Imponente demais, esnobe demais. Claro que não podia dar certo.

Um mexidinho só tem vantagens. É bom, acaba com todos os restinhos da geladeira e é milagroso. A gente olha para a quantidade de arroz, de feijão, de carne e tem certeza de que não é suficiente para uma refeição. Só que daí a gente faz um mexidinho e aquilo se multiplica! Todo mundo come e sai satisfeito.

Não! Não posso falar mais. Um mexidinho é um segredo de família que é transmitido de mãe para filha de geração em geração. Não pode ser revelado. Nem sob tortura! Já estou até vendo a cena...

Uma casa simples, no meio de um bosque. Na verdade, a casa da bruxa do Joãozinho e Maria. Aquela feita de chocolates, balas, bolachas. Eu, amarrada numa cadeira no meio da sala há cinco dias sem comer... E a bruxa na minha frente:

- Fale!

- Não!

- Diga: como se faz um mexidinho?

- Não falo! Você pode fazer o que quiser comigo, mas eu não conto!

Ela passa uma picanha no espeto bem perto do meu nariz. Eu começo a me afogar com a saliva. Ela puxa minha cabeça para trás:

- Conte!

- Não conto!!!

Ela apela: pega um prato de paçoquinhas. Meus olhos lacrimejam, eu começo a respirar pela boca para não sentir o cheiro, mas ela me obriga a respirar pelo nariz.

- Não resista! Vai ser pior para você! Como se faz um mexidinho!!!

- Não digo!

Aí ela abre uma garrafa... Tchiiiiii... E enche um copo de Guaraná Antarctica bem na minha frente...

- Tá bom! Tá bom! Eu conto tudo!!!!

Quanta bobagem... (menos a saudade do guaraná)

Mas é verdade, viu? Nem adianta abarrotar minha caixa postal com pedidos de receita de mexidinho. Não posso cometer essa traição. Aliás, ainda antes de ir embora para o Brasil, vou queimar aquela receita de mexidinho que eu pedi para minha mãe escrever pra mim quando ela esteve aqui e... Ei! Espere aí! NÃO! Tem alguém aqui roubando minha receita!!! Devolve já!

Vou ter de resolver isso! Um outro dia eu volto!


segunda-feira, outubro 18, 2004

Eu não contei uma coisa pra vocês!

Tem um dos canais abertos de televisão daqui (o que seria mais ou menos equivalente à Rede Globo aí no Brasil) que promove todos os anos uma música para ser o sucesso do verão. Ninguém vai acreditar em qual foi o "hit" desse ano: Mamãe eu quero!

Estou falando sério! O sucesso do verão francês deste ano foi "Mamãe eu quero", que aqui recebeu o nome de "Choopeta" (que os franceses pronunciam "tchupetá"). A música é cantada por um trio de meninas brasileiras que são trigêmeas. O grupo se chama T-Rio. Até achei o nome legal, já que é um trio, elas são do Rio de Janeiro, são trigêmeas e os nomes delas começam todos com a letra T. Claro que tinha coreografia, vídeo-clipe com as meninas de biquini na praia e tudo o mais.

Alguém aí conhece esse grupo?

De qualquer forma, até que foi legal. Deu pra matar um pouco das saudades... Passamos alguns meses ouvindo Mamãe eu quero todos os dias!

quinta-feira, outubro 07, 2004

Agora é oficial! Foram mais de dois meses pra conseguir comprar quatro passagens de avião, mas, enfim, estamos com as passagens em mãos e data certa para chegar: 9 de dezembro!!! Nem vou me dar ao trabalho de contar toda a função pela qual passamos. Não vale a pena. O importante é que as passagens estão aqui em casa, certinhas!

Só que eu vou ter de adiantar uma coisa para vocês. É o Felipe. Não é que ele tenha esquecido o português, é que o francês está muito presente na vida dele. Tem coisas que ele já prefere falar em francês mesmo porque acha mais fácil. Se antes ele nos perguntava "como é que fala tal coisa em francês?" agora a pergunta já é "como é que fala tal coisa em português?".

Mas o pior nem é quando ele fala francês. Esse aí a gente conhece e até consegue entender. O mais complicado é quando ele fala português mesmo, mas com estruturas que não são nossas. Aí a gente tem de fazer um trabalho de "engenharia reversa", quer dizer, a gente traduz para o francês o que ele disse pra tentar entender o que foi que ele, na verdade, quis dizer.

Como, nos primeiros dias que a gente estiver aí no Brasil, pode acontecer de alguém conversar com ele e não compreender o que foi que ele quis dizer, vou publicar aqui um "Pequeno dicionário para compreender o Felipe". Na verdade, vou escrever aqui um possível diálogo pra vocês entenderem o problema. As "traduções" vão estar entre parênteses.

- Felipe, onde é que você está?

Ele sai de dentro do armário onde estava escondido e diz:

- Eu estou (aqui)! Mamãe, eu vou fazer pra você um trabalho que a professora me aprendeu (me ensinou) na escola.

- Que legal!

- Você pega um papel e plia (dobra) ele assim uma vez, depois plia outra vez pro outro lado e de novo e de novo.

- Ficou bem bonito, Fê!

- Oh, non!

- Que foi?

- Aconteceu um accidente (acidente, mas com pronúncia francesa)! Eu pliei errado! Eu vou tudo começar! (começar tudo de novo). Oh! Merde! (esse já está saindo em francês mesmo...)

- Não tem problema, Felipe. Está lindo assim. Mas se você não está gostando, faz alguma outra coisa.

- Já sei! Tive uma melhor idéia. (idéia melhor). Vou pegar a cisô (tesoura) e cortar esse pedaço. Mamãe, onde é que foi passar (está) a cisô?

- Não sei. Procura na gaveta da cozinha.

- Vai lá pegar pra mim...

- Agora não dá, Felipe! Eu preciso terminar de passar essas roupas...

- Ah, vai...

- Não dá, querido!

- Alê (vai)...

- Agora não dá, Felipe!

- Quando o papai chegar eu vou contar pra ele que você não me obeiu (obedeceu) e vou pedir pra ele ir me achar!!! (buscar na escola)

Eu olho pra ele com uma expressão de quem diz "faça-me o favor!" e ele pergunta:

- Por que você fez essa cabeça? (fez essa cara)

- Por que eu tenho essa pilha de roupas para passar e não posso ficar parando pra ir procurar tesoura pra você!

- Faz ver. (Deixa eu ver) Ahnnnn... Tudo bem. Então vou escutar uma musíca (não sai mais música de jeito nenhum).

Como vocês podem ver, o caso nem é tão grave. Mas às vezes eu e o Vidal precisamos fazer uma pequena conferência pra conseguir captar o que ele quis dizer.

Mas não pensem que ele ficou metido não... No domingo passado ele pediu um calendário pra começar a riscar os dias que faltam pra gente ir para o Brasil! Como nós, ele também não vê a hora de pisar de novo a nossa terrinha, sentir um vento quente no rosto, comer um churrasquinho de verdade! Essas coisas de falar esquisito ele vai perder em dois ou três dias. E depois, qualquer problema maior de comunicação a gente pode resolver!

Vamos começar a contagem regressiva!

terça-feira, setembro 21, 2004

"Quem tem boca vai a Roma", já diz o velho ditado. Tudo bem, a gente não foi a Roma, mas foi a Bordeaux e acabou pagando o dobro do que tinha sido reservado pelo hotel. Essa parte da história vocês já conhecem. O que vocês ainda não sabem é que fizemos uma reclamação por escrito para a administração da rede de hotéis e não é que deu certo? Ontem tivemos a agradável surpresa de abrir nossa correspondência e encontrar, não uma conta para pagar, que é o mais comum, mas sim um cheque!

A gente reclama de várias coisas daqui, mas está aí algo de que vamos sentir saudades. Não precisa um código de defesa do consumidor, nem um PROCON. Se sentiu lesado? Faça uma reclamação e pronto. Geralmente o problema se resolve. Claro que nem tudo são flores por aqui, como podemos ver num programa de televisão ao qual assistimos de vez em quando. O que o programa faz é tentar resolver problemas (graves) que as pessoas tenham com prestadores de serviço, maus pagadores, pai que seqüestra filho e outros barracos do gênero. No nosso caso, tudo correu bem!

Mais algumas notícias curtinhas para vocês...

Desde o início do mês, tenho três dias de alvará de soltura durante a semana! O Felipe está na escola, a Ana Luíza está na casa de uma senhora que cuida dela, o Vidal na universidade e eu... enfim comecei um curso de patchwork! Vocês não imaginam como estou contente! Estava realmente sentindo falta de poder fazer alguma coisa diferente, de poder andar pela rua sem me preocupar em cuidar de uma criança (ou de duas!). As aulas de patchwork acontecem às terças-feiras, a cada 15 dias. Uma vez por mês existe uma aula especial de um dia inteiro. A professora é muito legal e eu até já publiquei um pequeno texto falando sobre o patchwork no Brasil num jornalzinho que ela distribui para as suas alunas. Já estou escrevendo em francês, vejam só! A Academia Brasileira de Letras que me aguarde!

Além de poder fazer patchwork, esses dias livres servem pra eu poder colocar a vida em dia. Hoje, por exemplo, saí de casa para resolver cinco coisas: depositar o cheque que recebemos do hotel, comprar umas linhas para terminar um bordado, consertar a pulseira do meu relógio, pegar o programa do museu de Nantes e buscar nossas passagens para ir ao Brasil no fim do ano (era uma surpresa, mas acho que todo mundo já sabe mesmo!). Muito bem. Não pude fazer o depósito porque o banco estava em greve (só por hoje!); não pude comprar as linhas porque eles tinham todas as cores, menos as duas únicas de que eu precisava; não pude consertar a pulseira, porque ela não tem conserto; não pude pegar o programa do museu porque hoje estava fechado (todo museu que eu conheço fecha na segunda-feira, menos o de Nantes!); não pude pegar nossas passagens porque teve um problema qualquer no valor da taxa de embarque e depois de esperar uma hora, descobri que tenho de ligar para a agência de viagens e saber o que foi que eles fizeram! Como vocês podem ver, um dia super produtivo!!! E eu ainda estou de bom humor?! Que coisa!

Eu não disse que achava que o próximo ano seria mais fácil?

Antes de dizer tchau, quero colocar umas fotos aqui para vocês verem como andam meus pimpolhos!

Não que eu seja coruja, otimista, ingênua, nada disso! Mas tenho certeza de que eles se dão super bem e de que adoram estar juntos:




Mais uma:



Ela já está engatinhando pela casa toda! Quer dizer, engatinhando não é bem o termo. Ela se arrasta por tudo como aqueles soldados que aparecem fazendo exercícios de guerra e que têm de passar por baixo de fios esticados bem próximo do chão. É engraçado de ver. Ela só usa o braço esquerdo pra se deslocar, então agora ela tem o costume de segurar alguma coisa na mão direita e levantar o braço bem alto enquanto vai de um lado para o outro, como se estivesse segurando uma bandeira. Aos poucos ela está descobrindo a posição de quatro. O que é uma pena... Desse jeito, arrastando a barriguinha no chão, eu já estava tendo a idéia de amarrar um paninho com cera nela, assim ela já podia começar a me ajudar com a limpeza!

É brincadeira, viu?

Nos últimos dias ela começou a se apoiar de joelho, numa tentativa de ficar de pé:



O Felipe está todo orgulhoso porque agora ele tem cinco anos! No dia do aniversário ele pôde escolher seus presentes e olha só o que ele quis:



Os equipamentos de segurança foram exigência minha! Mas com o tempo maravilhoso que vai começar a fazer aqui ele vai ter bem pouca chance de se exercitar lá fora. Independente disso, ele brinca bastante na escola! Tanto que costuma chegar super cansado:


E por falar em tempo ruim... Já começamos a preparar o guarda-roupa de inverno. Pelo menos para a Ana Luíza. Olha só que fofa:

Ela está com uma expressão meio contrariada porque nesse dia estava um calor de matar. Coitadas das crianças! O que os pais não as obrigam a fazer...

Bem, por hoje é só! Até a próxima!

sexta-feira, setembro 10, 2004

E lá se vão trezentos e sessenta e seis dias. Um ano inteirinho (e bissexto) de ausência! Hoje eu gostaria de falar um pouquinho sobre esse nosso ano e acho que a melhor forma de descrever os períodos pelos quais passamos é usar a imagem da árvore que vemos da nossa sacada aqui de casa.

Chegamos neste apartamento no dia 1º de outubro. E foi a partir daí que a convivência com a nossa árvore começou. Antes disso, não temos uma imagem definida do que passamos. Era a surpresa e o medo. O encantamento e o desespero. O cansaço e a esperança. A segurança e a incerteza. Tudo ao mesmo tempo. Os vinte primeiros dias foram intensos e confusos. Tudo estava por ser feito e não sabíamos nem por onde começar. Não conhecíamos nada, nem ninguém. Não sabíamos como resolveríamos as coisas. Mas elas foram se acomodando, se ajeitando. Temos certeza de que as muitas orações que sabemos que foram feitas em nossa intenção fizeram a diferença. E por elas, queremos agradecer.

Quando enfim nos instalamos, o outono estava começando. E é a partir daí que podemos usar nossa árvore para descrever nosso caminho:


Tudo nos parecia lindo. A cidade, os lugares, as perspectivas. Nós também estávamos leves como as folhas que caíam das árvores. Ainda estávamos descobrindo coisas, meio sem consciência da grande mudança nas nossas vidas. Claro que percebíamos diferenças. Mas elas não pareciam tão grandes, nem tão profundas. Ainda guardávamos muito do nosso estilo de vida no Brasil e procurávamos reproduzir aqui o que fazíamos aí. Entretanto, o outono tem uma beleza curta que antecede a dificuldade do inverno. E assim foi conosco.


As folhas caíram todas. A árvore ficou nua, seca. Os dias eram curtos e as noites intermináveis. A garoa e o vento castigavam sem parar. Tudo era difícil, qualquer deslocamento era sofrido. Esperar nos pontos de ônibus com o vento cortando, não poder sair de casa a qualquer momento, muitas vezes não poder sair em momento algum para evitar uma crise de bronquite no Felipe.

O mês de dezembro foi se aproximando do fim e as coisas foram ficando ainda mais difíceis. Crises em seqüência do Felipe, a minha internação, toda a incerteza daqueles dias de hospital que antecederam ao parto, um Natal melancólico... A presença dos meus pais aqui foi o que segurou um pouco o nosso clima.

Janeiro chegou e trouxe a boa notícia de um carro para nós. Aqui esse é um item fundamental para uma família. Os ônibus não circulam à noite (ou circulam muito raramente) e o frio desanima qualquer projeto de sair de casa. Tínhamos de pensar com antecedência em tudo o que precisaríamos do mercado, porque o serviço de entrega era caro e só funcionava até uma certa hora. Entretanto, mesmo a chegada do carro não conseguiu melhorar significativamente o nosso astral: eu sofria da conhecida depressão pós-parto, o Vidal estava tendo de recomeçar o trabalho na universidade, o Felipe ainda sofria com a cantina da escola e só comia pão seco, de pé encostado na parede. A Ana Luíza não disse nada, mas acho que também estava meio injuriada porque tinha saído daquele ambiente quentinho e protegido direto para os dias cinzentos de inverno...

Para coroar, fomos confrontados à dura realidade da nossa nova condição financeira. Como eu disse antes, levávamos aqui o mesmo estilo de vida do Brasil. Claro que acreditávamos que estávamos controlando as coisas, mas algumas contas nos revelaram que a situação era bem outra. Tínhamos uma dívida a acertar e ainda muitos meses aqui para planejar. Tivemos de realmente mudar de atitude, elaborar uma estratégia para equilibrar as nossas contas. E com isso, o tempo foi passando e as coisas começaram a entrar nos eixos. O ar, aos pouquinhos, foi ficando mais leve.


A primavera chegou e, mesmo que com ela não tenha vindo o calor que esperávamos, vieram as flores em abundância. Terminamos de pagar nossa dívida, aprendemos a controlar melhor nossas despesas. Além disso, o Felipe passou a almoçar na escola, fez amigos, começou a tagarelar em francês. Minha depressão foi embora junto com alguns bons quilinhos que tinham sobrado do parto (não todos, infelizmente) e o trabalho do Vidal engrenou. Ele teve um artigo aceito, outro recusado, mas mesmo assim, boas perspectivas para a tese, o que é, afinal, o grande motivo de estarmos aqui.

Os dias ficaram mais longos, começaram a acontecer os piqueniques nos parques, as pessoas ficaram mais alegres, tinha a expectativa do verão no ar. E tinha também o planejamento da nossa viagem de férias!


O verão levou as flores da nossa árvore embora, mas trouxe a serenidade. Enfim nos sentimos tranqüilos, mais à vontade, com menos sobressaltos.

Durante todo esse ano, estivemos muito sensíveis. A impressão é de andávamos sempre sobre o fio de uma navalha. A qualquer momento poderia acontecer uma coisinha qualquer que nos machucaria, que seria difícil de suportar. É bom viver intensamente a vida, mas também é muito bom ter sossego e rotina.

Não dá pra contar quantas coisas aprendemos aqui. Desde as práticas como montar móveis (no caso do Vidal) ou fazer faxinas (no meu caso), quanto aquelas mais impalpáveis como a grande importância das pessoas na nossa vida (vocês não imaginam o quanto nos fazem falta), o quanto são essenciais os serviços sociais em um país ou como é maravilhoso o clima de Curitiba!

É claro que sentiremos falta de muitas coisas daqui quando formos embora: da segurança, das pessoas que conhecemos, do ritmo de vida. Mas se antes de virmos já dizíamos que não tínhamos vontade de ficar para sempre longe do nosso país, agora temos certeza. Várias coisas aqui são muito legais, algumas são melhores do que no Brasil (especialmente aquelas ligadas aos serviços públicos de saúde e educação), mas não há nada como a casa da gente, o nosso canto. Cheio de defeitos, é claro, mas nosso.

Se essa experiência acabasse hoje, já teria valido a pena. Mas ela ainda não acabou e ainda nos restam quase dois anos por aqui. Nesse momento as folhas das árvores estão começando a ficar amarelas e a cair. Mais um outono está chegando. Sabemos que depois virá o inverno, mas ele é necessário para que possa haver uma nova primavera. Depois o verão... E assim o ciclo continua.

Não consigo nem imaginar como será nosso próximo ano, mas acho que ele será mais fácil. Somos otimistas incorrigíveis!


sexta-feira, agosto 06, 2004

Na próxima vez em que vocês forem tomar um banho, prestem atenção ao ambiente.... Observem os azulejos desde o piso até o teto, em todas as paredes. Entrem no boxe e fechem a porta. Com certeza o lugar onde está o chuveiro fica num canto do banheiro e num nível um pouco mais abaixo do resto do piso. Depois, estiquem os braços, para onde der: para cima, para frente, para os lados... É bastante provável que vocês consigam até mesmo ligar o chuveiro e não ficar embaixo dele, mas ao lado e, ainda assim, dentro do boxe.

Tudo isso parece óbvio? E é! Até que você resolva mudar de país. Daí, tudo o que parece evidente, deixa de ser. Vou explicar. Nossa experiência com banhos aqui tem sido, no mínimo, esquisita. No meu caso em particular, muitas das situações estranhas que vivi tiveram a ver com o fato de eu ter vindo para cá "prenha". Podemos dizer que nossos banhos tiveram, até agora, três fases principais, com alguns eventos isolados bastante pitorescos. Vamos às fases. A primeira delas, no início...

Quando chegamos aqui, como vocês já sabem, ficamos 20 dias num flat. Naquela época eu estava de seis meses passados, o que quer dizer uma barriga já considerável. E o banheiro do hotel tinha a seguinte configuração...

Antes de fazer a descrição, me deixem contar uma coisa: aqui os banheiros sempre serão uma incógnita. O que acontece é que é extremamente comum ficarem separados numa casa o vaso sanitário do local de tomar banho. O mais estranho é que, quando as coisas estão separadas, o lugar que tem o vaso sanitário tem exatamente isto: o vaso sanitário. Nada mais. E pra lavar as mãos depois do "serviço" feito? Aí a gente tem de procurar uma pia em algum outro lugar. Geralmente a da cozinha (!). Esse era o caso do flat em que ficamos. Nosso quarto ficava no último andar do prédio e era um duplex. Na parte de baixo tinha a cozinha, o local do vaso sanitário e uma salinha. Na parte de cima a nossa cama e o chuveiro com a pia. Quando nos mudamos para o apartamento em que moramos agora minha maior felicidade era poder dar exatos 9 passos da cozinha até o banheiro! Antes eu não dava nem um! Saía do banheiro já dentro dela!

Voltando à configuração do banheiro do hotel (a parte de tomar banho). Tínhamos uma plataforma elevada que media 80 x 80 centímetros. Prestem atenção ao detalhe: uma plataforma "elevada". Uns 15 centímetros do chão. Isso quer dizer que para tomar banho a gente "subia" em vez de descer. Não teria nenhum problema se não fosse o fato de que não tinha boxe. Só uma insuportável cortininha de plástico. Qual é o problema disso? Simplesmente, se caísse água fora da plataforma, ou seja, no chão do banheiro, ela não teria para onde escorrer porque não tinha nenhum ralo no local. Quer dizer, estou sendo injusta. Na verdade, nos casos em que o banheiro acabou meio alagado por conta do tipo da torneira, a água teve para onde escorrer: para dentro do quarto! Imaginem que legal que era para dar banho no Felipe...

Bem, vamos continuar a descrição da "plataforma". Disse que ela media uns 80 x 80, mas a gente não tinha todo esse espaço útil, não. Tudo por causa da cortininha. Alguém aí já tomou banho com cortininha de plástico? Quando a água está escorrendo, a dita cuja se sente irresistivelmente atraída pelas pernas de quem está embaixo da água e resolve "colar" nas canelas do pobre coitado que está tentando acabar com as suas próprias cracas. Uma solução possível seria deixar a cortina para fora da plataforma. Mas aí o problema seria outro. Nesse caso a água escorreria pela cortina e cairia toda no chão do banheiro que, isso mesmo, não tinha ralo! Estão sentindo a gravidade da coisa?

Aliás, falando em gravidade, vamos lembrar que eu estava grávida, de barrigão e tudo o mais. Uma área de 80 x 80 mesmo para quem não tem protuberâncias, já não é grande coisa, imaginem na minha situação. Os azulejos comuns de banheiro têm geralmente 15 x 15 centímetros, então contem 7 azulejos e mais um pouquinho na parede do banheiro para terem idéia do que isso significa.

Para coroar tudo isso, a torneira. Eu cheguei até a tirar uma foto dela só para poder contar para vocês como é que a coisa funcionava:


Aquela espécie de maçaneta era o que a gente levantava e que fazia sair a água do chuveiro. Para falar a verdade, nem é um chuveiro... É como se fosse o nosso chuveirinho daí, maior, com mais pressão, que a gente prende num suporte na parede (o cano que aparece na foto é o dessa ducha). Isso é o que existe em 100% dos lugares com ducha por aqui. A coisa funcionava assim: levantava a maçaneta, saía água. Quanto mais erguida, mais forte o jato. Girando a maçaneta para a esquerda, água quente. Girando para a direita, água fria. Ficando no meio, água na temperatura ideal. O sistema é bem legal e bem prático para temperar a água. Mas no caso dessa torneira aí, tinha uns probleminhas que vocês vão conhecer daqui a pouco.

Agora que eu já contei como eram as coisas, vou descrever um banho típico naqueles meus dias de "estado interessante".

Eu abria a torneira e esperava a água esquentar, fora da plataforma, é claro, porque desde que eu estivesse dentro dela, estaria embaixo d’água, necessariamente. Não teria nenhum espaço para chegar mais para o ladinho, passar um sabonete, nada. Aliás, vocês estão vendo algum lugar para colocar o sabonete aí nessa foto? Não tinha. No início, eu tentava equilibrar o sabonete em cima da torneira o que nem sempre dava certo. Além de escorregar, algumas vezes eu acabei esquecendo e colocando o sabonete no lado quente da torneira que ficava "pelando fogo" (como dizia o Felipe)! Então eu tinha de ficar segurando aquele objeto fugidio o tempo todo porque, se ele caísse no chão, lá ficaria! Como é que eu ia conseguir me abaixar com o barrigão, a água caindo (isso eu não podia reclamar, era um jato super forte mesmo com a torneira a meia altura) e, o pior, a cortininha tentando de todo jeito ficar colada nas minhas pernas? Nem pensar!

Mal eu entrava embaixo da água e lá vinha a cortininha. Ela colava e eu descolava. Ela colava e eu descolava. Uma vez resolvi capitular deixar que ela colasse onde bem entendesse, mas, além de a sensação de plástico colado nas pernas ser horrível, descobri que depois da canela ela cola no joelho, depois na coxa e assim vai! Percebi que eu ia ficar mumificada embaixo d’água. Podia até me afogar, sei lá. Resolvi enfrentar a fera e lutar bravamente!

Primeiro tentei a estratégia de colá-la nas paredes. Não deu, ela vinha na minha direção mesmo assim. Eu ia chegando para trás, para trás e paf! Batia o cotovelo na torneira! Aquela espécie de maçaneta ficava paralela ao chão e ocupava um espaço aéreo considerável. Além disso, era super sensível ao toque. Sempre que acontecia um esbarrão, eu tinha uma (desagradável) surpresa: ou eu girava a torneira para o lado quente e pelava o couro na água fervendo já que ela esquenta em segundos e não tinha espaço para onde fugir, ou eu girava para a direita e levava um choque térmico pela água gelada, ou eu erguia a "maçaneta" e o jato de água ia parar no meio do banheiro alagando tudo, ou eu desligava a água (que era, de longe, o que de melhor podia acontecer). Uma vez eu consegui a proeza de erguer a maçaneta e girar para a esquerda ao mesmo tempo o que gerou um jato forte de água fervendo! Saí pulando feito uma cabrita da plataforma com as costas quase cozidas!

Aos poucos eu fui desenvolvendo a técnica do "banho imóvel": eu colava a cortininha na própria plataforma, pelo lado de dentro ao longo das duas laterais e me posicionava embaixo da água, dura e tesa. Ia passando o sabonete lentamente, sem levantar muito os cotovelos para não correr o risco de esbarrar na torneira. Fazia o possível para não me mexer muito a fim de não atiçar a cortininha e evitar que ela viesse colar em mim. Procurava não mexer nem mesmo a cabeça. Mexia só os olhos e olhem lá! Lavar os pés? Nem pensar! Eu ia ter de fazer uma manobra de agachamento que o barrigão não permitiria, ou, se por acaso eu conseguisse abaixar, quem disse que eu ia conseguir levantar depois? Eu passava um pezinho em cima do outro e só! Isso tudo, claro, sem soltar do sabonete porque não tinha lugar para ele ali.

Era duro...

Daí mudamos para este apartamento em que estamos agora e começou a segunda fase...

Quando eu entrei no banheiro pela primeira vez, fiquei em estado de choque. Nada de plataforma. No lugar dela, uma mistura de tanque com banheira. 60 centímetros de largura por 90 de comprimento por uns 60 de profundidade. Medidos pelo lado de fora, o que significa menos do que isso de área útil. Dentro, no sentido do comprimento, uma metade mais alta do que a outra com umas saliências indicando o lugar das nádegas. Duas torneiras (uma quente e uma fria) e a duchinha, dessa vez, sem suporte para pendurar na parede. Coroando tudo, ela! A cortininha de plástico!

A dona da imobiliária deve ter percebido a minha cara de espanto quando nos mostrou o apartamento porque foi logo dizendo que aquilo tudo seria retirado e que, no lugar, seria colocado um boxe. Quase chorei de emoção! Ela disse que 15 dias depois que mudássemos o serviço seria feito em um ou dois dias. No máximo. Eu nem podia acreditar!

É uma pena que eu não tenha conseguido tirar uma foto da "Coisa". Foi o nome nada carinhoso que eu dei para ela.

Minha implicância com a Coisa começou já no primeiro dia. Limpá-la não foi nada fácil. Além disso, aquelas marcas no lugar de sentar me davam uma sensação para lá de desconfortável. Parecia que alguém tinha sentado lá e tinha deixado impressa a sua própria bunda. Vocês já se imaginaram sentando no molde do bumbum de alguém? E a gente era obrigado a sentar. É óbvio que a minha primeira atitude foi arrancar a cortininha de plástico! Não queria mais saber de lutas corporais para tomar banho, muito menos de banhos imóveis. Só que não tinha suporte para pendurar a duchinha. Nosso banheiro, assim como todos os outros, não tem ralo, não dava para tomar banho de pé correndo o risco de alagar tudo. Portanto, banhos sentados. Naquela marca de bunda. Tudo bem.

Com uma mão segurava-se a duchinha. Com a outra, o sabonete. Quando estava lavando as pernas passava frio nas costas e vice-versa. Tinha partes do corpo que eram difíceis de lavar. Experimentem tentar alcançar a região dos países baixos (todos eles!) estando sentados. Imaginaram o problema? Para lavar a cabeça era um pouco mais complicado. Eu deixava a duchinha pendurada nas costas o que fazia quase transbordar a água da banheira. O que acontece é que eu tinha de encaixar o barrigão (que a essa época já passava dos sete meses) entre as pernas, que ficavam dobradas e coladas nas laterais da banheira impedindo que a água que corria pelas costas fosse embora. Resultado? De vez em quando era necessária uma "operação de escoamento" que eu fazia levantando um pouco o quadril e deixando a água passar por baixo. O único lado bom da Coisa é que eu podia, enfim, lavar meus pés!!!

Além de tudo isso, ainda tinham os eventos "Entrar na Coisa" e "Sair da Coisa". Verdadeiras operações de guerra, dada a minha situação e o medo que eu tinha ou de ficar entalada, ou de escorregar e me estatelar no chão de barrigão e tudo.

Mas, tudo bem. A dona da imobiliária tinha dito que em 15 dias, no máximo, eles tirariam a Coisa daqui. Para quem já tinha passado 20 dias brigando com uma cortininha de plástico e com uma torneira, o que eram só mais 15 dias de banhos sentados? Tudo bem que eu tinha um medo danado de parir a qualquer momento porque a posição do banho tinha tudo a ver com um parto de cócoras. Mas 15 dias passam rápido e num instante tudo estaria resolvido.

Quase 30 dias e alguns telefonemas indignados depois, apareceu o senhor que faria o serviço. Quando ele chegou eu até levei um susto. Ele era a cara do Anthony Hopkins. Aquele ator americano que fez o filme "O silêncio dos Inocentes". Isso mesmo. O canibal... Ele foi muito simpático e muito risonho até mesmo para dar as seguintes notícias: primeiro, ele só poderia fazer o serviço, na melhor das hipóteses, dali a um mês; segundo, nessa ocasião ficaríamos uma semana sem ducha!

Fiquei catatônica por algum tempo. Uma semana sem banho! Sei não... Aquela cara dele, aquela semelhança com um canibal... Vai ver que ele preferia carne podre. Ui!

Bem, a gente não tinha alternativa a não ser esperar. Os 15 dias que imaginávamos ter de conviver com a Coisa se transformaram em dois meses. E descobrimos depois que, ruim com a Coisa, pior sem ela. Sim, porque realmente demorou uma semana, de segunda a sábado, para o banheiro ficar pronto.

Um dia tocou a campainha aqui em casa. Era uma segunda-feira, fim de tarde. Minha mãe tinha chegado na sexta-feira anterior para me ajudar no final da gravidez (abençoadas sejam as mães...) e estávamos todos fazendo um lanchinho. Na porta estava ele. O Anthony (olha a intimidade). Fiquei apreensiva pensando que ele tinha vindo para "nos" lanchar, mas não. Ele tinha ligado e deixado um recado no nosso celular dizendo o seguinte: "Segunda-feira no final da tarde eu começo a fazer o serviço na casa de vocês. Se vocês não me ligarem, é porque eu posso ir". Então, por que a nossa surpresa com a presença dele?

O problema é que nosso celular estava mudo. Ele estava meio injuriado porque tinha tomado um banho na máquina de lavar roupa, dentro do bolso de uma calça do Felipe. Em sinal de protesto pelo quase afogamento, fez greve de fala por um mês e nós não tínhamos ouvido o recado do canibal, digo, do encanador. E ali estava ele. Chegou, entrou, foi direto ao banheiro, pegou uma marreta e caceteou a Coisa até reduzi-la a pó! É por isso que eu não tenho nenhuma foto dela. Não tive nem tempo!

O pior é que a gente não tinha se preparado psicologicamente, nem fisiologicamente para o acontecimento. Isso quer dizer que não tínhamos tomado o último banho daquela semana, antes das obras...

A semana foi longa... Cada um de nós entrava no banheiro e fazia os malabarismos necessários para conseguir cumprir o ritual de higiene básica do dia. Tudo o que tínhamos era uma bacia de 30 x 40 centímetros e a pia do banheiro. Depois nos reuníamos na sala e cada um descrevia suas táticas. Coitada de mim. Eu não tinha muita agilidade, nem elasticidade com meu barrigão de nove meses. A cada vez que eu pensava que era a hora do "banho" ficava desanimada.

No desodorante que eu usava na época estava escrito "Com este produto você estará protegido do suor e dos maus odores por até três (!!!) dias". Sem comentários. Só que, ao ler aquilo, depois do choque inicial, um pensamento chegou a passar pela minha cabeça: "Puxa! Então eu ainda estou dentro do prazo de validade! Dá até pra deixar o banho para a semana que vem!" Só que aí eu me lembrei de que tinha lugares em que eu não tinha passado o desodorante... Tenho de confessar! Cheguei a ter saudade da Coisa.

Mas, enfim, a obra terminou. No sábado de manhã o banheiro estava liberado! Entramos na terceira, atual e feliz, fase.

A plataforma no chão é a mesma do primeiro hotel. Só que agora tem um boxe! A torneira também é igual, só que a alavanca não é para cima como a outra. Ela fica paralela à parede e para liberar a água a gente puxa e não levanta. Se a gente esbarra nela, por acaso, o máximo que acontece é fechar a água. Enfim podemos tomar banhos decentes! O único problema é que o banheiro só tem azulejos dentro do boxe e acima da pia. O resto das paredes é coberto de papel! E não tem janela! Com a unidade, um mofo preto e cabeludo está se alastrando por tudo. Nossa batalha com esse mofo vai merecer um capítulo à parte, aguardem...

É por essas e por outras que pensamos em não sair daqui. Tudo bem, o apartamento é pequeno, só tem um quarto, o banheiro está todo mofado... Mas não quero nem imaginar o que pegaríamos pela frente. Nessa viagem que fizemos tivemos uma amostra de coisas ainda mais bizarras em matéria de banheiros! Mas essas são histórias que vão ser contadas um outro dia. Agora, me deixem ir tomar um banho! Com o maior prazer!

quinta-feira, agosto 05, 2004

Olha, vocês podem pensar que eu sou paranóica, neurótica, etc., etc., etc. Tudo bem! Eu aceito isso. Mas eu tinha deixado de colocar fotos das crianças aqui neste blog porque comecei a pensar "Sei lá quem acessa isso aqui", "Tem um monte de maluco nesse mundo", "A gente tem a vida exposta na Internet", "Tem endereço, telefone e tudo o mais no nosso site", "Soccorro! Já sei que um dia alguém vai nos perseguir!!!". Bem, não cheguei a tanto, mas andei meio com a pulga atrás da orelha (de onde veio essa expressão?!).

Mas, como eu não resisto e fico morrendo de vontade de mostrar a carinha dos meus pimpolhos, decidi, então, retirar endereço e telefone da nossa página e voltar a publicar fotos. Quem não anotou nossos dados, pode nos enviar um e-mail para perguntá-los quando quiser nos dar o prazer de uma visitinha, uma ligadinha...

Então ficamos assim: estamos em local não divulgado, a não ser para quem nos contactar por e-mail, certo? Os e-mails continuam na página principal.

Bem, agora, eu posso mostrar aqui uma imagem muito legal!!! Olha só:


São ou não são umas fofuras?

Ai! Mãe coruja é dose de agüentar, né?

quinta-feira, julho 29, 2004

Enfim, estamos de volta! Cinco mil seiscentos e cinqüenta e um kilômetros e seiscentos metros depois! Daqui a alguns anos, quando eu lembrar que fizemos uma viagem deste tamanho com uma criança de quatro anos e outra de sete meses, vou querer internar a mim mesma e ao Vidal em um sanatório! Mas correu tudo bem. As crianças se comportaram perfeitamente, só um dia o Felipe teve um mal estar que passou rapidinho. Claro que o fato de meus pais estarem junto nos ajudou imensamente com as crianças. Teria sido muito difícil sem eles.

A lista de cidades pelas quais passamos é grande. Vamos a ela: Bordeaux, Cadillac, Carcassone, Avignon, Marseille, Menton, Mônaco, Turim, Milão, Lausanne, Genebra, Berna, Verona, Veneza, San Marino, Assis, Florença, Pisa, Gênova, Voreppe, Limoges! Ufa! Fiquei cansada só de escrever!

Dá pra imaginar que em 18 dias e tantas cidades muitas coisas aconteceram e é verdade. Começou já no primeiro dia...

Chegamos a Bordeaux e fizemos um passeio pela cidade. Acabamos no centro de informações turísticas e descobrimos, por acaso, que estava começando uma feira do vinho exatamente naquele dia! Por 10 Euros teríamos o direito de degustar 15 tipos de vinhos! Bordeaux é uma das maiores regiões vinícolas do mundo. Foi super interessante e ninguém chegou a ponto de chamar urubu de meu louro porque era uma meia taça que dividíamos em quatro.  Aí vai uma foto de um enfeite que tinha no meio da feira:


Enquanto ainda estávamos na feira do vinho, vimos uma fila imensa de carros num engarrafamento descomunal tentando passar por perto da praça onde a bebelança estava acontecendo! (Meu editor de textos está reclamando da palavra, mas, se tem comilança, porque não pode ter bebelança? Bobão!) Ficamos até meio com pena daquela gente dentro dos carros que quase não se mexiam, enquanto a gente estava ali aproveitando os vinhos, rendendo homenagem a Baco, com nosso carrinho confortavelmente instalado num estacionamento longe dali. Bem, cada um tem o engarrafamento que merece, né?

Mas o tempo foi passando, já estava meio tarde e ainda precisávamos encontrar o hotel que tinha sido reservado.

Um parênteses. Foi uma viagem super legal. Mas estamos longe dos tempos de Dólar a um para um em relação ao Real. A realidade agora é o Euro a quase quatro pra um! Isso quer dizer que planejamos tudo e fizemos um passeio com sérias restrições orçamentárias. Saímos daqui já com todos os hotéis reservados (Santa Internet!) e fizemos de forma a manter uma média no valor das diárias. Na França utilizamos uma rede hoteleira chamada Accor. Eles têm hotéis para todos os bolsos (mesmo os furados!). O mais simples deles chama-se Formule 1. A gente nunca tinha ficado num desses porque eles têm os quartos individuais mas os banheiros são comuns. Tudo bem, estamos com a grana meio curta, mas ainda não chegamos ao ponto de precisar dividir banheiros (infelizmente, fomos obrigados a inaugurar nossa experiência num Formule 1 nesta viagem...). O segundo nível de hotel da rede é o Etap. Um quarto simples com uma cama de casal e uma cama de solteiro em forma de beliche (foi o lugar onde tivemos a idéia para resolver nosso problema de só um quarto aqui em casa) e o banheiro fica no quarto. Esses hotéis ficam geralmente fora da cidade, não têm recepção 24 horas e a chave do quarto é um código que a gente digita na porta (o Felipe adora!). Depois dos Etaps vêm os Ibis. Quartos um pouco maiores, não tão padronizados, hotéis mais legais. Um Ibis é o máximo que o nosso cartão de crédito pode suportar. A rede tem outros hotéis, mas eles estão, por enquanto, fora do alcance das nossas notinhas... Em Bordeaux, tínhamos reservado um Ibis. O preço estava milagrosamente parecido com o de um Etap, então aproveitamos! A gente não tinha um mapa da cidade, mas tínhamos imprimido da Internet umas indicações de como chegar ao hotel. Além disso, tínhamos o endereço, o telefone e muita disposição...

Pegamos o carro no estacionamento e voltamos ao ponto onde tínhamos entrado na cidade. O nome do hotel era Ibis Bordeaux le Lac. Logo ali vimos uma placa onde estava escrito: "Bordeaux le Lac". Beleza! Estávamos com sorte. Era só ir naquela direção e depois seguir as dicas que tínhamos imprimido na Internet. Estava escurecendo (o que significa 10 horas da noite), tinha uma lua quase cheia maravilhosa e a avenida margeava o rio Garonne. Tudo perfeito! Quer dizer... Quase perfeito! Sabe aquele pessoal do engarrafamento? Pois é! Descobrimos que estávamos fazendo companhia a eles!!! Depois de demorar mais de 20 minutos para andar uns 300 metros começamos a ficar meio incomodados. Uns 100 metros e 10 minutos à frente o Vidal já estava quase no ponto "roxo com bolinhas brancas" que eu já descrevi para vocês! De manhã, antes de sairmos eu tinha escrito aqui neste blog sobre engarrafamentos enormes, mas eu estava brincando! Todo mundo cansado, o tempo passando e a gente tinha decidido primeiro chegar ao hotel, depois procurar alguma coisa para comer... Isso quer dizer que, além do cansaço, tinha a fome rondando. No meu caso específico, tinha ainda uma imensa vontade de fazer xixi (sempre ele!). Para nosso desespero, descobrimos a causa do engarrafamento: a avenida em que íamos estava interditada por causa de obras e o trânsito estava sendo desviado para o centro da cidade! Centro esse que desconhecíamos! Quando chegamos perto da praça onde estava acontecendo a feira, decidimos tentar fazer uma meia-volta. Tinha uma policial de trânsito orientando a baderna. Pedimos autorização, ela concordou (deve ter pensado "menos um nessa zona!") e voltamos. Teríamos de passar por fora da cidade.

Atravessamos o rio e refletimos: temos de atravessar de novo o rio mais à frente. Tem uma ponte enorme ali. As indicações do Mappy (o site da Internet de onde tínhamos imprimido o roteiro) falam numa ponte. Tudo o que a gente tem a fazer é seguir o rio pela margem oposta àquela em que estávamos e atravessar a ponte. Tudo bem. Vamos lá!

Fomos andando e vendo a ponte se aproximar. Só que em nenhum lugar aparecia uma indicação de como chegar até ela. Fomos chegando, chegando e nada! Passamos por baixo dela!!! Uma coisa enorme aquela ponte... Tinha de ter um jeito de atingi-la! A noite caía cada vez mais escura. Chegamos a pegar umas quebradas, parar numas ruas sem saída. E a ponte ali, do nosso lado. A idéia de descer do carro e escalar a ponte estava descartada. Tinha uma quantidade imensa de bagagem e cada um ali tinha seus motivos pra não entrar numa roubada dessas. Enfim, achamos uma forma de passar a ponte. A partir dali era só seguir o roteiro...

Não sei se foi o cansaço, o estresse ou, quem sabe, o vinho, mas as indicações do Mappy pareciam não ser muito precisas. Acabamos indo meio pelo instinto, não sei qual deles, talvez o instinto da fome, porque chegamos a uma lanchonete fechada, no meio de um monte de outras lojas enormes, também fechadas! Parecia o fim. Já estávamos tentando imaginar a melhor forma de dormir todo mundo dentro do carro mesmo. Quem sabe voltar e ficar embaixo daquela ponte. Era tão grande...

Mas, a tecnologia é maravilhosa, tínhamos um celular e já estávamos no ponto de poder ligar e pedir informações de como chegar ao hotel. É claro que a gente podia ter ligado antes, mas o problema seria dizer: "Olha, estamos aqui num lugar que não sabemos o nome, numa cidade que não conhecemos, embaixo de uma ponte à qual não conseguimos chegar e que nem sabemos se é a que devemos pegar e queremos chegar aí. Como é que a gente faz?" Não dava!

Diante daquela lanchonete fechada, estômagos roncando, conseguimos ligar para o hotel. Felizmente era um Ibis, que tem portaria 24 horas. Pegamos as dicas (realmente estávamos perto) e fomos ao hotel. Assim que chegamos, desceu todo mundo do carro e eu acabei ficando por último. Eu e minha vontade de fazer xixi que àquela altura do campeonato já estava me causando alucinações. Só que eu não conseguia fechar a porta do carro e já estava entrando em desespero! Por sorte o Felipe apareceu e eu implorei que ele voltasse para o hotel e achasse alguém pra fechar aquela porta, ou ficar de guarda no carro porque eu precisava urgentemente de um banheiro!

Alguém chegou por ali e eu entrei no saguão do hotel feito uma flecha! Só tive tempo de ver minha mãe fazendo sinais para uma plaquinha que indicava o banheiro e disparei na direção dela (da plaquinha, não da minha mãe). Acabei saindo nos fundos do hotel! Nada de banheiro! Voltei para o saguão. Sabem o que é pior do que ter de fazer xixi no mato? Não ter nem um mato por perto pra fazer xixi!!!! Juro que eu pensei isso quando, enfim, consegui achar uma "casinha". Só então pude prestar atenção ao lugar...

Foi uma (boa) surpresa! O hotel era super legal. Nem dava pra acreditar que tudo aquilo estava pelo preço de um Etap. Eu e o Vidal tínhamos feito todas as reservas e já fomos avisando que aquela mordomia toda não deveria acontecer novamente...

Fizemos nosso registro e começamos aquela que seria nossa tarefa diária pelos 18 dias seguintes: descarregar o carro (e carregar no dia seguinte, é claro)! A gente tinha tentado ser econômico nas bagagens, mas, mesmo assim, tinha MUITA coisa. Até mesmo uma panela que um amigo do Vidal nos emprestou. Cada vez que a gente chegava com aquela quantidade de coisas eu me lembrava de documentários que vi sobre os retirantes do Nordeste. O problema nem eram as malas, mas a profusão de sacolinhas de todos os tamanhos. Jurei pra mim mesma que numa próxima viagem vou levar só uma muda de roupas e passar todos os dias por uma lavanderia!

Levávamos nas costas nossas bagagens e nossos estômagos que, coitados, só tinham visto os lanchinhos que tínhamos feito durante a viagem além dos vinhos da feira, que eram muito bons, mas não ajudavam em nada a matar a fome! O Vidal perguntou para a recepcionista onde poderíamos jantar. Ela, sorridente, disse que até poderia ser no restaurante do próprio hotel, se ele não tivesse acabado de fechar (eram 11 horas). Mas a gente poderia ir até o cassino que ficava relativamente próximo.

Minha mãe não quis ir. Decidiu fazer um outro lanche com o que tínhamos levado conosco e ficar com as crianças. Vidal, meu pai e eu decidimos ir até o cassino.

O lugar era super imponente. Chegamos mesmo a comentar que a gente não estava com a melhor aparência do mundo: o Vidal de bermuda e havaianas por conta de uma enorme bolha no calcanhar (chuteira nova, sabem como é...), meu pai de trainning e eu, até que estava com uma sainha jeans, mas só depois de voltar para o quarto e me olhar no espelho foi que eu percebi que estava com a mesma cara que eu tinha levantado de manhã, acrescida das várias horas de viagem, degustação de vinhos, caminhos perdidos, xixis encolhidos e tudo o mais. Quer dizer, nossa aparência era mesmo a de retirantes... Mas a fome era maior que a nossa vaidade e nós fomos assim mesmo. O lugar era bonito de verdade. Tirei uma foto:


Eu cheguei até a pensar: "O que é que eles vão fazer? Nos expulsar?"

Nós só não fomos expulsos porque nem conseguimos entrar! Estávamos ainda a alguns metros da porta quando uns cavalheiros de terno (seguranças do lugar) chegaram apontando o trainning do meu pai e dizendo "assim não vai dar", a bermuda do Vidal: "assim não vai dar", as havaianas do Vidal "assim não vai dar de jeito nenhum!". Acho que eles só não apontaram pra minha cara e não disseram "e assim nem pensar" porque meu olhar esgazeado de fome deve tê-los assustado... A nossa perplexidade foi tanta que só começamos a reagir quando já estávamos dentro do carro de novo. O pior nem era a humilhação de ver aqueles rapazes extremamente grosseiros nos mandarem de volta (um deles até tentou ser simpático no final... acho que ficou com pena da gente) mas o fato de que não tinha NADA aberto naquele lugar e naquela hora!

Voltamos para o quarto e nos contentamos com uns sanduíches. Pelo menos o café da manhã estava incluído naquela diária (isso não aconteceria em todos os hotéis). E ele foi o máximo! Lavamos a alma pela noite anterior. Faltava apenas fechar a conta, carregar o carro (oh, vida) e ganhar a estrada. Só que, nessa hora, a (má) surpresa: tinha acontecido um erro no sistema de reservas pela Internet e o preço que tínhamos era POR PESSOA e não por quarto! Isso significa que deveríamos pagar O DOBRO do que estávamos imaginando pagar. Era esmola demais mesmo! Claro que tentamos argumentar... em vão. Tivemos de pagar o dobro.  Ficamos meio apreensivos pelo resto da viagem. Já pensou se todos os hotéis que reservamos fossem o dobro?

Bem, esse foi só o primeiro dos 18 dias de viagem... Já deu pra notar que terei muitas histórias pra contar, né? Mas, chega por hoje, nossos outros episódios pitorescos vão ficar para os próximos posts!

Quanto ao hotel de Bordeaux, já estamos preparando nossa cartinha de reclamação! Temos a esperança de reaver esse dinheiro pago a mais. Vamos ver se a reclamação aqui funciona como reza a lenda... Torçam por nós!


quinta-feira, julho 01, 2004

Oi gente!

Oi e tchau! ESTAMOS SAINDO DE FÉRIAS!!!!

Enfim, depois de dois anos, teremos dias de calma e tranquilidade! Vamos correr atrás das crianças nas ruas, nos desestressar em engarrafamentos gigantescos, quebrar as costas carregando malas, brigar nas filas das entradas dos museus, nos acotovelar para tirar do nosso caminho uma penca de nipônicos de máquinas fotográficas em punho (eles só viajam em grupos de, no mínimo, quarenta pessoas!), encontrar lugares mais estranhos ainda para fazer xixi, ou seja, só paz e harmonia!

Só voltamos dia 18, portanto, nada de blogs nesses dias... Eu sei, eu sei, nossos fãs vão ficar insonsoláveis. Mas voltamos logo e cheios de histórias pra contar!

Até!

sábado, junho 19, 2004

Olá!

Acabamos de chegar de Paris. O Vidal foi participar de um congresso e passamos a semana toda lá. Já passa de meia-noite, as malas estão no meio do caminho, a cornucópia, quer dizer, o cesto de roupa suja está mais transbordante do que nunca, a pilha de roupas para passar já está enorme (e eu nem comecei a lavar o que trouxe sujo da cidade Luz), meus pais chegam na segunda-feira e eu tenho um final de semana looooooongo pela frente. Mas vou fazer o impossível para contar umas novidades para vocês! Aumentei minhas experiências no quesito "xixis inusitados". Acho que vou escrever um livro só sobre isso!

Rapidinho, mas, por enquanto é só! Apareço em edição especial durante os próximos dias!

quinta-feira, junho 10, 2004

A gente nunca pensou que este mês de junho fosse chegar... Mas ele chegou e, com ele, o sol, o calor, os dias longos (muito longos) e também os mosquitos, as aranhas... Tudo bem, nada é perfeito mesmo!

Outro motivo que nos fazia querer muito que chegasse o mês de junho é o fato de que, em maio, zeramos a dívida que tínhamos ainda por conta da vinda para cá! Foi duro chegar até aqui, mas conseguimos!

O problema era o seguinte: vocês sabem que a gente sempre trabalhou muito enquanto estava aí no Brasil. E a grande quantidade de trabalho criou na gente péssimos hábitos. O principal deles: gastávamos primeiro e recebíamos depois. Em geral, contávamos com o fato de que sempre acabaria aparecendo um cursinho aqui, uma apostilazinha ali... E assim a gente ia se enchendo de coisas para fazer. Como realmente apareciam novos trabalhos, que eram remunerados, a gente acabava assumindo mais compromissos, e assim a coisa andava.

O Vidal definiu muito bem o que nós fazíamos: "trabalhávamos muito para poder pagar contas que só tínhamos porque trabalhávamos muito".

Daí, viemos para cá. No início, mantivemos praticamente o mesmo ritmo, ou seja, não pensávamos muito na hora de fazer uso do vil metal. Claro que a gente controlava (ou achava que estava controlando) os gastos. Não fazíamos nenhum exagero. Mas aí, duas coisas aconteceram: primeiro, a gente se viu com um furo de muitos Euros no nosso orçamento; segundo, não existia nem de longe, a possibilidade de aparecer algum trabalhinho extra! O único "trabalho" que poderíamos fazer seria despachar uma galinha preta, uma garrafa de pinga e umas velas vermelhas em alguma encruzilhada para ver se acontecia algum milagre. Só que aí tínhamos outros problemas: a pinga aqui custa uma fortuna (60 Euros uma garrafa de Velho Barreiro), as velas vermelhas são só de decoração e, mesmo que a gente achasse uma galinha preta, nem pensar em deixar numa esquina qualquer! Isso é muito caro e eu ia acabar fazendo um empadão com ela!

Nossa alternativa? Fizemos um empréstimo no banco para pagar em quatro vezes (banco brasileiro, é claro! Vocês acham que os franceses iam nos dar essa moleza?) e mudamos radicalmente de atitude! Nenhum gasto extra. Mercado? Só o mínimo necessário. Cinto apertado até que eu tivesse uma cinturinha de Scarlett O’Hara e o Vidal estivesse como um bailarino espanhol.

Nossas inspirações para essa atitude foram Paulo e Luciane, que sempre conseguiram gerenciar a vida financeira sem dívidas, construindo muitas coisas, e a Selvina (que trabalhava com a gente, eu já comentei aqui), que sozinha e com muitos filhos, também foi capaz de construir a própria casa sem se enterrar em infinitas prestações...

No final da primeira semana da nova vida, fizemos um balanço de quanto teríamos gasto sem perceber: daria para duas semanas de mercado! Assustador! Isso nos animou a continuar o plano "bovinas esbeltas".

O primeiro mês foi o mais radical: só trazíamos do mercado o absolutamente e estritamente necessário, só comprávamos um objeto qualquer se realmente a gente não tivesse como ficar sem ele, cortamos todos os lanchinhos fora de casa.

Claro que acabamos passando por situações meio esquisitas. Um dia fomos "levar nossos olhos para passear" num shopping. Que bom que por enquanto não se gasta nada para olhar vitrines! Foi no mês de janeiro, minha mãe ainda estava aqui. Como sabíamos que não faríamos nenhum lanche fora de casa, fizemos alguns sanduíches, pegamos umas frutas e saímos. Primeiro andamos pelo centro da cidade, só depois fomos ao shopping.

Quando chegamos, todo mundo já estava com uma fomezinha, então decidimos "abrir o farnel e fazer uma merenda"! Onde? Dentro do carro, no estacionamento do shopping, é claro! Janeiro, dia horrível, frio, garoa... Só dentro do carro mesmo!

Imaginaram a cena? Três adultos e duas crianças dentro de um carro, num estacionamento. Passa sanduíche pra frente, volta guardanapo pra trás, "Cuidado Felipe! Não derrube suco no banco do carro!" Aliás, o carro deve ter ficado uma imundície, nem me lembro mais.

O Vidal, por via das dúvidas, escondia o sanduíche no colo e parava de mastigar quando passava alguém por perto da gente olhando meio desconfiado para aquele carro cheio de gente dentro, os vidros já começando a ficar embaçados. Teve uma hora em que eu falei: "Comer sanduíche, dentro do carro, no estacionamento... Acho que esse é último estágio da dureza!" Mas o Vidal me corrigiu: "Último não! Penúltimo! Pelo menos a gente tem um carro!". Ele estava coberto de razão.

O problema dessa história de fazer uns rega-bofes dentro do carro é que fica difícil ir ao banheiro! Teve uma vez que a gente fez uma boquinha num canto retirado de um parque e eu, por causa daquela história de tomar muita água pra poder amamentar, acabei precisando urgentemente de um lugar para mandar embora a água que não tinha virado leite! O jeito foi apelar para uma árvore! O Felipe achou o máximo: "Mamãe, posso ir com você?!!!"

E lá fomos os dois. Nos instalamos atrás de uma grande árvore. Quer dizer, "atrás" dependendo do ponto de vista. Em relação ao nosso carro, atrás. Mas, de frente para um lago, de lado para uma estradinha... Pensei em me enfiar no meio de um conjunto de pinheiros que tinha um pouco mais adiante, mas daí os problemas seriam outros. Primeiro, grimpa de pinheiro é uma coisa meio perigosa (e dolorida se espetar assim, em qualquer lugar) e eu não sabia o que ia encontrar por lá; segundo, aqui é comum ter uns bichinhos silvestres nos bosques, tipo esquilo, e como eu estava recém-parida (a Ana Luíza ainda não tinha nem um mês), achei que ia ser meio arriscado me enfiar num matinho mais fechado e depois não ter físico pra sair de lá no caso de um ataque surpresa, quem sabe até de um gambá temendo a concorrência dos perfumes! Tudo aconteceu ali mesmo, do lado daquela árvore. E eu tinha tomado muita água! Tinha muito xixi! Fiquei ali torcendo pro xixi acabar logo. Cheguei até a pensar em interromper pela metade, com medo de que passasse alguém pela estradinha que tinha do lado da árvore. Mas desisti! Felizmente, ninguém apareceu. Pouco malucos têm a idéia de sair para passear num parque em pleno e gelado janeiro. Na verdade, nem tão poucos assim... Nem bem eu terminei, passou um casal pela estradinha. Pode ser que eles também estivessem procurando alguma árvore...

O carro não foi o único lugar esquisito em que fizemos lanches. Pelo menos duas vezes eu e a minha mãe promovemos uma degustação de acepipes numa igreja que tem aqui no centro de Nantes. Uma igreja grandona, aquecida, quase sempre vazia... Perfeito! Eu precisava mesmo amamentar a Ana Luíza! Nada melhor... A gente dava uma disfarçada, procurava um cantinho mais discreto. Não era assim de estender toalha xadrez na frente do altar e sentar no chão, é claro. Tenho certeza de que Deus nos perdoou. A gente sempre aproveitava para fazer umas orações também...

Isso foi só no começo. Agora já voltamos a uma vida mais normal. Ainda fazemos nossos piqueniques, mas agora eles acontecem na grama, sob o sol, junto com um monte de outras pessoas. O problema do xixi ainda persiste, é verdade. No mês passado tive um outro episódio de "xixi bucólico", só que dessa vez foi no meio de umas camélias, com o chão cheio de flores! Nenhum banheiro poderia ser mais perfumado!

Enfim, pagamos nosso empréstimo, mudamos de atitude, aprendemos um monte de coisas: não desperdiçar, melhorar a forma de fazer compras no mercado, planejar os gastos antes, manter-se fiel ao planejamento. Esse, até o momento, foi um grande ganho da nossa vinda para cá: aprender a viver bem, com menos! Sabe que dá certo?

Agora podemos começar a pensar em fazer algumas coisas que foram ficando para depois. Por exemplo, comprar um armarinho para colocar do lado do fogão na cozinha (por enquanto temos uma caixa de papelão coberta com uma toalha). Quem sabe até tentar achar um apartamento de dois quartos aqui pela redondeza... Essa história de dormir todo mundo apinhado num quarto só não está muito legal! Mas só mudaremos se acharmos alguma coisa perto! Tudo já está estruturado por aqui, o Felipe adora a escola, tem amigos (ontem fui com ele passar a tarde na casa de um coleguinha de sala), o médico é perto, já estou procurando uma creche para a Ana Luíza... Se a gente não achar nada razoável nas redondezas, ficamos aqui até o fim. Ótimo! Pagamos menos aluguel e podemos até tentar a ousadia de fazer uma poupança! Quem diria!

terça-feira, junho 01, 2004

Olá!!!

Só estou escrevendo para dizer que reinstalei tudo aqui, sem traumas, as coisas estão funcionando e eu sobrevivi! Claro ainda tem algumas coisinhas para fazer, mas a Internet está no ar! Isso é o principal!

Agora vou ter de mudar o apelido do Cágado. Esse não é mais justo com o coitado... Alguma sugestão?

Bem, vou sair para buscar o Felipe na escola. Só queria dar a boa notícia a vocês. Hoje a faxineira não veio (eu mesma, é claro)! No lugar dela veio a técnica em Informática, só que ela não sabe fazer limpeza! Já estou até vendo o que o Felipe vai dizer quando entrar em casa: "Mamãe, essa casa tá imunda!".

segunda-feira, maio 31, 2004

Eu sei, eu sei! Estou demorando muito para escrever por aqui. Mas eu tenho meus motivos...

O primeiro deles é esse computador. É claro que eu não viveria sem ele, a Internet é o que me permite manter a sanidade estando aqui longe de tudo e de todos e por aí vai. Só que tive de tomar uma decisão radical: vou apagar tudo o que está aqui dentro do Cágado (foi o apelido carinhoso que dei para ele) e começar de novo! O Vidal já tinha me convencido disso há bastante tempo, mas ontem percebi que a medida é urgentíssima. Vou explicar o que está acontecendo de uma forma bem didática para que vocês possam ter uma idéia do caos. Imaginem que meu computador tem 100 mãos. Ontem à noite, dessas 100 mãos, 96 estavam ocupadas e as outras 4 ficavam fazendo gestos de "Peraí! Peraí!". Isso quer dizer que para mudar de uma janela para outra, por exemplo, eu cheguei a esperar mais de cinco minutos! Só para abrir o Word ele está demorando 4 minutos! Contados no relógio!! Desligar e ligar de novo? 11 minutos!!! Como eu faço muitas coisas no computador, consumo grande parte do meu dia na frente dele simplesmente esperando.

Só que fazer isso de apagar tudo e começar de novo não é tão simples. A gente tem de fazer um levantamento dos programas, saber o que tem e o que não tem de copiar, comprar os discos, fazer as cópias. Uma função!

Hoje eu devo fazer o trabalho de apagar tudo e reinstalar os programas. Portanto, é bem possível que nos próximos dias estejamos fora do ar! Quem nos procurar no Messenger e não encontrar já vai saber a razão. E esse blog... Bem, não quero dar falsas esperanças. Se eu conseguir escrever no fim da semana vou estar bem feliz!

Outra coisa que dificulta a tarefa de escrever é a Ana Luíza. Aquela moleza de ela só comer e dormir, naturalmente, já acabou. Agora ela praticamente só fica quieta nas seguintes situações: quando está dormindo, quando está tomando banho, quando está mamando e quando está no colo. Pelas opções que eu dei já dá pra notar que ela passa uma boa parte do tempo nos meus braços o que dificulta um pouco as coisas. Me sinto como meu computador e eu nem posso pedir uma mãozinha para ele, já que ele também está com quase todas ocupadas! Eu até tento digitar com ela no colo, mas ela quer mexer no teclado, vejam só! Eu digito, mas quando vou ler percebo que ficou ininteligível e deixo para depois.

Por fim, nesse meu rosário de desculpas, tem a duração do dia. É verdade! Dias longos são muito bons para passear, mas no dia-a-dia complica um pouco as coisas...

Nesta semana que passou o Vidal fez um curso durante toda a semana num balneário a 90Km daqui, chamado Le Croisic. Ele ia e vinha todos os dias. Na terça e na quarta o Felipe não tinha aula, então aproveitamos e fomos junto com ele. Ficamos lá no lugar do curso (era um hotel). Foi ótimo! Foram dois dias em que eu fiquei sem fazer absolutamente nada, a não ser ficar por conta das crianças. Na terça-feira, tivemos o privilégio de ver um pôr-de-sol maravilhoso. Aqui o sol se põe no mar (estamos do outro lado do Atlântico) e o espetáculo é lindo, vocês podem imaginar. Pois bem, logo que o sol acabou de fazer o "tchiiii" ao se esconder no oceano eu olhei no relógio: 21h55. Isso mesmo! Quase 10 horas da "noite". É claro que depois que o sol se põe ainda leva um tempo para ficar bem escuro, normalmente isso vai acontecer depois das 10h30. Às vezes, lá por 11h00 ainda tem até um pouco de claridade no céu. O efeito prático disso é que, assim que escurece, já está na hora de dormir. Quase todos os dias eu acordo e penso "Hoje à noite vou escrever no blog", mas quando chega a noite, já é quase madrugada e eu tenho de ir deitar. Nem sei a que horas começa a clarear, mas o sol está nascendo antes das seis da manhã! São os dois extremos: no inverno uma noite infinita; no verão, um dia que não acaba!

Também tem o fato de que, como aqui os dias bonitos são raros, a gente tem aproveitado para sair de casa nos finais de semana. Nem que seja só pra fazer uma caminhada às margens do rio Loire. Estando fora de casa sobra menos tempo para escrever também...

Bem, dei todas as explicações possíveis! Espero que nossa "legião de fãs" (olha a modéstia) seja compreensiva. Prometo que no máximo até começar o inverno eu volto a escrever bastante. Mas isso é o máximo que vocês vão ter de esperar! Prometo!

quarta-feira, maio 19, 2004

Sol! Calor!! Verão!!!

Não achei que esse tempo fosse chegar, mas ELE VEIO! Desde sábado temos tido dias quentes e cheios de sol. É claro que estamos aproveitando o máximo. No sábado fomos fazer um churrasco à beira do rio Erdre (o outro rio que passa por Nantes). Não imaginem que foi um churraaaasco assim como a gente faz aí. É claro que não! Foi um churrasco francês onde tem um monte de coisas e muito pouca carne. O convite veio dos colegas franceses que o Vidal tem na Universidade. Cada um levava a sua bóia. A gente até que tentou comprar uma carne no mercado para fazer com sal grosso, mas a carne de boi aqui é horrorosa. Na verdade, nem é carne de boi. É carne de vaca (está escrito na embalagem). Acho que eles provilegiam o gado leiteiro e não sobra muito espaço para o gado de corte. Do que levamos, só estava boa a linguiça!

Os franceses costumam levar para o churrasco linguiça e espetinhos que a gente compra prontos no mercado (prontos quer dizer montados, não assados é óbvio). Só que eles assam a carne sem sal!!!! Eles dizem que é para manter o sabor dos alimentos. Sei não. Aqui a comida é quase sem sal e quase sem açúcar. Eles usam muitas ervas. Pode ser que eles estejam certos, que a comida assim seja mais saudável. Mas a gente gosta mesmo é de uma salmourazinha, uma pimentinha, um melado! Não adianta. Num país com não-sei-quantos-mil kilômetros de costa e com terras e terras cobertas de cana-de-açúcar comé o Brasil a coisa não podia ser diferente mesmo. Somos dos extremos: sal e açúcar para valer. Os franceses não gostam mesmo de coisas muito doces. O dia em que eles vieram jantar aqui em casa eu fiz um "Strogonoff de Nozes" de sobremesa. A opinião geral é de que ele é doce demais e eles não aprovaram. Dá pra acreditar?

O lugar em que fizemos o churrasco é muito legal, o dia estava lindo e aproveitamos bastante. Agora está escurecendo às 10 horas da noite, então o Vidal pôde jogar futebol até tarde e eu fiquei jogando uma espécie de bumerangue com o Felipe. Quando escureceu, eles acenderam um monte de velinhas e ficamos conversando na beira do rio. Muito divertido! Claro que tem fotos, e claro que eu ainda não consegui colocar no site. Mas elas estarão lá em breve. Prometo.

No domingo fomos fazer outro piquenique. Desta vez num parque de Nantes chamado Parc du Grand Blottereau (a gente diz Bloterrô). Fomos nós todos mais a Cláudia e o Alexandre que eu já apresentei aqui e nem preciso mais dizer quem é... Chegamos às duas da tarde e saímos depois das nove horas. Também tem fotos, que vão ficar para depois...

Para terminar as notícias primaveris, na semana passada fomos ver uma exposição super interessante aqui em Nantes. Ela acontece a cada quatro ou cinco anos e se chama Floralies International. É uma exposição de plantas. Paisagistas de vários lugares criam ambientes naturais dentro dos pavilhões de exposição. Tem de tudo: desde floresta até deserto e é uma coisa muito diferente. Boa notícia! Da exposição TEM fotos e elas JÁ ESTÃO DISPONÍVEIS! Vejam nosso Álbum de Fotos.

Antes que chovam reclamações! A gente não aparece nas fotos da exposição, só as plantas. Tinha muuuuuita gente e não tinha a menor condição de parar toda a família trapo na frente das plantinhas e dizer para as 550 pessoas que vinham atrás: "Esperem só um pouquinho que a gente vai fazer uma fotinho, tá?". Nem pensar! Tirei várias fotos porque o lugar é enorme, mas para fazer as fotos era necessário ser objetiva. Clic, clic, clic e pronto. Nada de grandes composições, nem um segundo a perder! Mas nas fotos do churrasco e do piquenique existem seres humanos, esperem pra ver...

Por hoje é só! Agora que aqui faz calor ficamos menos dentro de casa e sobrou ainda menos tempo para eu escrever. Mas, aguardem... Estou preparando uma daquelas historiazinhas para vocês. Quero ver se publico na semana que vem!

quarta-feira, maio 12, 2004

Edição especial!!!

Hoje tivemos uma notícia excelente. O Vidal teve o primeiro artigo aceito em uma conferência na Suíça! Foi um artigo escrito em conjunto com o colega de sala dele e descreve o trabalho que os dois estão desenvolvendo. Cada um deles está fazendo uma parte de um mesmo projeto e essa foi a primeira publicação aceita.

Isso é muito importante para nós, afinal, toda essa loucura aqui está acontecendo exatamente por causa do doutorado do Vidal e a publicação de artigos em conferências é uma parte muito importante de qualquer pesquisa.

E mais! Tendo publicações poderemos tentar, mais uma vez, uma bolsa da CAPES ou do CNPq. Quando o Vidal tentou as bolsas no ano passado o argumento para negá-las foi justamente a falta de publicações. Estamos cheios de esperança novamente!

É isso aí! Já passa da meia noite e vou caçar minha caminha... Só não podia deixar de contar essa grande novidade para vocês!

domingo, maio 09, 2004

Gente, antes que eu me esqueça: eu ODEIO o clima desta terra! Tem um monte de coisas legais aqui, é verdade, mas o tempo... A temperatura hoje na hora do almoço era de CINCO graus! Isso porque estamos chegando quase no verão! Tem lugares aqui na França em que NEVOU! Eles dizem na televisão que não é normal para a estação esse frio, que está parecendo fim de fevereiro e não meio de maio, etc., etc., etc. Eles devem estar é querendo nos consolar somente. Se a gente não tivesse passado uns dias de calor aqui no ano passado quando chegamos, eu ia duvidar que um dia o verão vai chegar mesmo.

Desabafo feito, quero dar notícias da Ana Luíza. Semana passada fomos ao médico para a consulta normal dos quatro meses, vacinas e tudo o mais. Ela está super bem: 5,780Kg e 61,5cm. Crescendo e se desenvolvendo da melhor maneira possível. Claro que ela chorou muito na hora das vacinas, o que é compreensível. O Felipe ficou chocado! Sentimos que ele realmente sofreu com o sofrimento dela. Mas, a vida é assim mesmo e as vacinas são necessárias, não é? Aí vai uma foto:


No mais, estamos todos bem. Esta semana começamos a fazer academia, o Vidal e eu. Estava na hora de acabar com aquela história de "estamos fragilizados, por isso estamos nos afogando nos chocolates, e essa barriga caindo sobre o cós da calça é só coisa da nossa imaginação..." e por aí vai. Nada disso! Desde o início dessa semana jantamos salada e vamos à academia! Sexta-feira de manhã o Vidal não conseguia levantar os braços e eu, as pernas. Cheguei a sugerir que a gente fizesse uma mistura de nós dois, mas o Vidal, sabiamente, concluiu que daí teríamos uma pessoa completamente inválida e uma boa no lugar de dois semi-inválidos. Ele tem razão! Daqui a um mês eu volto a falar para contar os resultados!

Olha, desculpe voltar nesse assunto, mas não dá para falar só de castelos e lendas. Essa parte da nossa vida aqui é muito legal, mas só acontece de vez em quando. Nosso dia-a-dia é bem menos chique: sou eu com as minhas panelas e panos de chão e o Vidal com seus livros e artigos. Então, lá vai: ressurgiram esperanças de eu conseguir acabar com as manchas no chão da sala! Vocês sabem, eu já tinha me resignado a elas. O apartamento é de 1970, eu sou de 1969. Portanto, temos quase a mesma idade. Se eu mesma já tenho algumas manchas que não consigo tirar, porque o pobre do apartamento também não poderia ter? Mas, um fato fez renascer a possibilidade de eu acabar com elas.

O que aconteceu foi o seguinte: na terça-feira passada, dia do faxinão, eu fui tomar água na cozinha e, olhando para cima, pensei: "Nossa! Esse lustre da cozinha continua um horror!". Como era o dia da faxina e eu ainda não tinha encerrado o expediente, tive de encarar o gorduroso lustre. Tentei tirá-lo para lavá-lo com água e muito detergente, mas ele não sai de lá. Fiquei pensando em como resolver aquilo e lembrei de um limpa-forno que eu usei aqui. O produto é ótimo: é uma espuma que a gente espirra nos lugares sujos do forno, deixa agir por meia hora e depois passa uma esponjinha. É incrível, mas todas aquelas cracas do forno saem na maior facilidade. E não é propaganda enganosa, não. Bem, como tinha sobrado limpa-forno, tive a brilhante idéia de usá-lo no lustre, que é de vidro. Espirrei o bicho no lustre e voltei para a faxina do banheiro.

Voltei, passei um paninho, saiu toda a gordura, as mosquinhas mortas (credo!) e o lustre ficou um chuchu! Vi que tinha pingado limpa-forno no chão. Tudo bem. Peguei um paninho para limpar e foi aí que, aterrorizada, percebi que no lugar em que tinha caído o limpa-forno tinham ficado umas manchas brancas no piso. Pensei: "Putz! Manchei o chão da cozinha! Lá se vai a caução que pagamos pelo apartamento!" Meu terror durou poucos segundos, porque percebi que não é que o chão tinha ficado manchado naquele lugar. Na verdade, ele tinha ficado LIMPO! O limpa-forno tinha limpado a sujeira do chão.

Não acreditei! Espirrei limpa-forno em uma área um pouco maior perto das manchas, deixei agir e limpei. O piso ficou realmente limpo! Daí, não tive dúvida, comecei a espirrar limpa-forno no chão de toda a cozinha! Arrastei fogão, geladeira, armário, tudo! Assim como Jack, o Estripador, eu ia fazendo a limpeza por partes. No fim do dia tinha acabado o limpa-forno e ainda tinha bastante cozinha! Tive de parar, mas tirei até uma foto pra vocês terem uma idéia do meu pasmo!


A parte clara, é a que está limpa, é óbvio! Aquela "rodinha" na parte suja foi o lugar onde tudo começou...

Claro que à noite eu não conseguia dormir de tanta dor nos braços. Porque o produto tira sujeira com facilidade, mas quando a sujeira já tem mais de 30 anos a gente tem de dar uma esfregadinha... Só consegui terminar o trabalho na terça-feira seguinte, mas fiquei feliz. O Felipe passou a ter dificuldade para se equilibrar só de meia na cozinha de tão lisinho que o chão ficou. E nós agora temos de usar óculos escuros para entrar lá: de dia porque o chão está refletindo a claridade de fora, à noite, porque o lustre está tão limpo que a lâmpada realmente consegue iluminar!

Diante disso, comecei a pensar na possibilidade de fazer o mesmo nas manchas da sala, mas já estou desistindo. Pelo jeito não dá pra limpar só uma parte e a possibilidade de esfregar de esponjinha o chão da casa toda não me agrada nem um pouquinho! Vamos ver o que vai dar! Eu já estava conformada com elas mesmo, não é? Pelo menos agora eu sei que elas estão lá porque eu quero e não porque me venceram...

Ei! Pensei uma coisa agora! E seu eu usasse o limpa-forno nas minhas próprias manchas? Não, não... Acho que não ia ser legal! Melhor esquecer...

Bem... vou ficando por aqui. Estou revoltada! Hoje tínhamos combinado de fazer um piquenique mas, com um frio desses, quem é que se anima a sair de casa? Ai que saudade da nossa terrinha!

Antes de terminar só gostaria de dar uma boa notícia! O Felipe já está almoçando regularmente na escola! Até ganhou o boneco do Homem-Aranha que tínhamos prometido nos idos do mês de novembro! Na sexta-feira, quando fui buscá-lo, escutei um monte de elogios da professora e fiquei muito orgulhosa. Ai! Mãe-coruja é fogo!

quinta-feira, abril 29, 2004

Nossa! Demorei para escrever! É que às vezes eu acabo me complicando aqui nas minhas tarefas e vou deixando para depois, para depois...

Quero dar notícias do final de semana. Enfim, a primavera de verdade! Sol e até mesmo um pouquinho de calor! Claro que à sombra o ventinho ainda castiga, mas, já não precisamos sair totalmente encasacados. Cheguei mesmo a colocar manga curta na Ana Luíza! Não pensei que essa época fosse chegar.

No domingo fomos fazer um passeio aqui por perto. Fomos nós quatro mais o Alexandre, um amigo do Vidal, brasileiro, que está estudando aqui também. Conhecemos dois lugares: Carnac e a floresta de Paimpont, (valeu a dica, Xana!).

Estamos próximos da Bretanha, região que é cheia de histórias e lendas. E cheia de sítios arqueológicos também. O primeiro lugar que fomos conhecer, Carnac, tem vários alinhamentos megalíticos, que, trocando em miúdos, quer dizer uma porção de grandes pedras (chamadas menires) colocadas em pé por homens pré-históricos do período neolítico, que ocorreu mais ou menos 5000 anos atrás. Um tempão! Além dos menires, também existem na região de Carnac os dólmens que são túmulos da mesma época. Como não poderia deixar de ser, é nessa cidade que existe um dos maiores museus de pré-história do mundo, não em tamanho, mas na quantidade e na qualidade do acervo.

Um dos motivos que nos levou a escolher esse passeio foi uma série de perguntas que o Felipe nos fez na semana anterior. Nós já estávamos nos preparando para "aquele" tipo de pergunta, do tipo "como é que eu fui parar dentro da sua barriga?", mas ele nos surpreendeu com coisas, como dizer, mais profundas.

Num fim de domingo, estávamos assistindo à televisão e ele, de repente, veio com a seguinte pergunta (ele se complicou bastante na hora de formulá-la, e eu vou apresentar uma versão mais direta da dúvida que ele tinha):

- Tudo bem. Eu vim de você, você veio da vovó, a vovó veio da bisa... Mas, quem foi que começou tudo isso?

Resumindo, ele queria saber quem foi o primeiro ser humano! Ficamos meio perplexos, demos umas risadinhas e ele ficou revoltadíssimo com isso. Pedimos desculpas e decidimos responder. Até pensamos na história do macaco, mas achamos que Darwin é meio demais para uma criança de quatro anos. Então utilizamos a versão bíblica:

- Foi o Papai-do-céu quem criou o primeiro homem e a primeira mulher. Eles tiveram filhos, que tiveram filhos, que tiveram filhos e assim foi até chegar na gente!

- Ahnnn...

Já estávamos quase respirando aliviados quando ele saiu com essa:

- E quem criou o Papai-do-céu?

Dureza! Filosofia pesada num domingo à noite?

- Isso ninguém sabe, Felipe...

- Ninguém sabe?

- Ninguém!

Ele ficou meio decepcionado. É por isso que quando decidimos sair um pouco no domingo de sol, resolvemos escolher um local pré-histórico. No museu tem alguns esqueletos (que foi, de longe, o que ele mais gostou do passeio), e nós pudemos apresentar: "Felipe, primeiros homens. Primeiros homens, Felipe." Tudo bem! Foi uma meia verdade isso, já que acabei de descobrir na Internet que os primeiros seres parecidos com um humano apareceram há 4 milhões de anos. Mas, aqueles esqueletos lá estavam muito mais próximos dos primeiros do que nós, não é?

Mas, vejam como as crianças são volúveis. Andamos mais de 100Km para acalmar as dúvidas existenciais da criatura e o que mais o impressionou foi descobrir que dentro dele também tem um esqueleto!!! Tudo bem. O passeio valeu mesmo assim.

Saímos do museu e fomos fazer um piquenique. Agora, não fazemos mais farofa, fazemos piqueniques. Com direito a toalha sobre a grama e tudo. Vejam só que bucólico:


O piquenique aconteceu ao lado de um dos alinhamentos, chamado Kermario. Foi muito legal ver as pedras alinhadas. Os alinhamentos que vimos tinham, cada um, em torno de 1 Km de extensão com pouco mais de 1000 pedras alinhadas em 10 fileiras. As pedras são enormes, pesadas, e tiveram de ser arrastadas e erguidas no lugar, o que deve ter dado um trabalho enorme. Tinham tempo esses primeiros humanos. Ô inveja!


Ninguém sabe o objetivo desses alinhamentos. Claro que existem várias teorias: calendário (pela incidência do sol eles poderiam determinar a época do ano), astrológica (previsão dos eclipses), religiosa, extra-terrestre... Eu acho que na verdade o problema era o tédio! Afinal, o que aquele povo tinha pra fazer a não ser arrastar pedras? Foi nessa época, no neolítico, que o homem deixou de ser nômade, começou a praticar a agricultura, a ter vida sedentária, criar barriga... Não tinha shopping, Internet, cinema, televisão... E mais, estou desconfiada que os descendentes diretos daquele pessoal, hoje ficam alinhando dominós. Como isso é bem mais fácil e mais rápido de fazer, eles derrubam tudo, para depois começar de novo... Sei lá, eu acho...

Vimos somente um dólmen, embora existam vários espalhados pela região. O que vimos era bem pequenininho, mas existem túmulos com até 15m de altura. Olha o nosso mini dólmen aí:


Bem, as pedras são muito interessantes, mas são todas meio iguais... Como ainda tínhamos tempo, decidimos conhecer um outro lugar e fomos até a floresta de Paimpont. Imagino que vocês devem estar se perguntando: "mas que diacho de floresta é essa que merece uma visita?" Vocês verão...

Diz a lenda (e o Guia Michelin) que depois da morte de Cristo, José de Arimatéia, um dos seus discípulos, saiu da Palestina levando algumas gotas do sangue de Jesus na taça em que ele bebeu durante a última ceia. O discípulo chegou até a Bretanha, na floresta de Brocéliande, e depois desapareceu completamente.

No século VI o Rei Arthur e cinqüenta cavaleiros decidiram recuperar a preciosa taça, o Santo-Graal, a qual somente um guerreiro de coração puro poderia conquistar. E eles partiram, junto com o mago Merlin, para a tal floresta e, a partir daí, centenas de lendas se criaram. Inclusive aquela que diz que Merlin se apaixonou pela fada Viviane e que ela acabou fazendo um feitiço que o deixou para sempre preso na floresta. Maneira esquisita de demonstrar amor...

Pois bem, a tal floresta de Brocéliande nada mais é do que a atual floresta de Paimpont! Há vários locais que referenciam a lenda na dita floresta, mas como não tínhamos muito tempo, escolhemos dois: o Vale sem Retorno e a Tumba de Merlin.

Guias e uns poucos mapas incompletos em punho, partimos de Carnac em direção às lendas. Nada de homens das cavernas colocando pedras em pé! A partir daquele momento, só fadas, magos e encantamentos...

A floresta é enorme! Bem, na verdade, não é bem o que nós, brasileiros, conhecemos por floresta. Quando a gente fala em floresta, pensa em algo como a Floresta Amazônica. A floresta deles é um pouco mais modesta, e nós aí chamaríamos de bosque ou mata. Eu dei um desconto para os bretões porque descobri que houve um grande incêndio nessa floresta em 1990, que durou cinco dias e destruiu árvores centenárias. Mas, dê-se o nome que quiser, floresta, picada, mato, bosque ou capão, o lugar é lindo mesmo assim.

Caminhamos vários kilômetros e o tal Vale sem Retorno não chegava. Enquanto rodávamos, fomos conhecendo um pouco da lenda. Morgana, danada da vida porque ganhou de presente de um dos seus vários amantes um belo par de guampas, resolveu "pinchar uma mardição" no vale: todos aqueles que fossem infiéis às suas digníssimas, não conseguiriam sair mais de lá. Imagino que a população masculina começou a diminuir sensivelmente, até que, Lancelot, o perfeito, o magnífico, fidelíssimo à sua amada Güinevere, acabou com a festa e os encantamentos malvada Morgana, quebrando todas as maldições. Sorte dele, da Guinevere e do monte de turistas do sexo masculino que podem, enfim, respirar aliviados e passear na floresta sem medo.

Pensei em ocultar esse detalhe sobre o fim do encantamento do Vidal e do Alexandre, só pra fazer um teste, mas achei que os dois são bem comportadinhos e entreguei o jogo todo. Será que fiz bem?

E nada do vale. É verdade que a gente não tinha mapas muito competentes, mas já era pra estar chegando. Foi aí que eu, sem querer, virei para trás e li uma placa que estava no sentido contrário da estrada indicando a entrada para o vale. Ainda bem! Fizemos meia-volta. E tocamos adiante. Muito poucas placas no caminho. Por via das dúvidas eu sempre dava uma olhadinha para trás pra ver se não tínhamos perdido mais alguma indicação. Pensamos que, na verdade, o vale sem retorno tinha esse nome porque a gente não conseguiria nem encontrá-lo, nem voltar de lá. Ninguém falou nada, mas acho que, lá no fundo, cada um tinha um medinho de ficar para sempre por ali. Claro que tinha sobrado um monte de coisas do piquenique, mas aquilo não ia durar eternamente, né?

Enfim, depois de ir, voltar, parar, duvidar... chegamos!

Parênteses. Agora mesmo, pesquisando algumas coisas na internet, descobri que a placa só de um lado da estrada é característica dos lugares turísticos na Bretanha. Isso quer dizer que, para viajar por lá, ou você escolhe o lado certo da estrada (o lado das placas), ou deixa um jacu virado pra trás pra poder ver o que já passou. Claro que não pode ser o motorista por motivos óbvios. Já viram para quem vai sobrar o torcicolo nas próximas viagens, né?

O lugar é realmente muito bonito. Enquanto estávamos indo, vários turistas e, entre eles, homens, estavam voltando, o que significa que o encanto realmente foi quebrado. Tive a impressão de perceber um suspiro de alívio no Vidal e no Alexandre... Não, não... Acho que foi só impressão! Ou será que não?

Chegamos até a "Árvore de Ouro", um tronco de carvalho dourado, cercado de pedras e de alguns outros troncos carbonizados. Simboliza que a floresta renasceu das cinzas depois do incêndio de 1990. Legal!


Voltamos ao carro para chegarmos ao nosso último destino: a tumba de Merlin.

Tínhamos de voltar àquele local onde estava a placa de um lado só da estrada, continuar adiante e atravessar a floresta até a outra extremidade. E lá fomos nós. Andamos, andamos e chegamos a uma outra estrada. Esquerda ou direita? Esquerda! À direita não tinha floresta. Um carro vermelho estava vindo do lado esquerdo, então imaginamos que ele tivesse ido também prestar uma homenagem ao mago.

Chegamos a um castelo que, como dizia o guia, ficava depois do tal túmulo, ou seja, tínhamos passado a entrada do lugar. Meia-volta! Toca pra trás. Cruzamos novamente com o carro vermelho. Eles também estavam perdidos!

No lugar em que viramos à esquerda, decidimos seguir adiante. Nada de floresta, nada de tumba. Meia-volta, novamente!

Começamos a ficar irritados. O Vidal disse que para ele já era uma questão de honra achar o tal lugar. Estávamos voltando por onde tínhamos ido quando vimos um grupo de pessoas paradas na beira da estrada. O Vidal desconfiou. Decidiu parar também. Ele desceu, atravessou a estrada e viu, escrito com canetinha e em italiano numa pilastra de uns 50cm de altura: "Tumba do Merlin" e uma setinha. Inacreditavelmente, era ali. Quer dizer, não era bem ali, ainda tínhamos de andar uns 500m pelo meio do mato. Coitada da Ana Luíza, o carrinho chacoalhava um monte no chão irregular. Mas, o pior nem foi isso. Dêem uma sacada no jeitão da tumba:


Micão brabo! Três pedrinhas amontoadas num cercadinho e só! Tudo bem, a gente não estava esperando letreiros de néon, um fantasma do Merlin de chapéu cônico e tudo o mais. Já tínhamos aprendido pela experiência no cemitério em Paris que esse tipo de coisa não acontece. Mas tínhamos rodado um tempão atrás do tal túmulo... Ele estava cheio de papeizinhos com mensagens, pedidos, sei lá. Não gosto muito de mexer nessas coisas, mas o Vidal pegou alguns deles para ler, tamanha era a indignação. Acho que ele teria feito uma fogueirinha dos papéis, se não fosse a falta de fósforos. Na verdade, o lugar era meio sinistro: tinha uma guirlanda ressecada pendurada naquele tronco bem junto às pedras, tinha um pedaço de roupa enrolado num galho bem alto de uma das árvores e eu vi um botão de roupa também preso entre as folhas de outra árvore. Se aquilo não fosse um feitiço, então tinha rolado uma suruba legal por ali. O Alexandre até chegou a comentar que o lugar tinha um aspecto que estava muito mais para "Bruxas de Blair" do que para "Brumas de Avalon". Deu até um arrepio.

Tiramos umas fotos pra gente poder rir da nossa própria cara depois e "picamos a mula" correndo dali. Voltamos por um outro caminho, no fim do qual eu pude ler em uma placa meio apagada que aquelas pedras, na verdade, eram remanescentes de um alinhamento de menires do período neolítico etc. e tal. Deu uma salvada no clima, mas não muito, uma vez que a gente já tinha visto um monte de menires. E tem mais! Depois me contaram que a lenda diz que o Merlin não morreu: foi vítima de um feitiço e que está lá na floresta até hoje. Só que não é no lugar em que dizem ser tumba dele! Disso temos certeza! Ele não estava lá. Ingrato!

Olha, o negócio é o seguinte: na próxima vez em que eu falar que fui atrás de uma tumba, vocês podem parar de ler a história. Não sei de onde vem essa idéia mórbida de visitar a morada eterna de gente que eu não conheci, só sei que todas as vezes em que eu fui atrás de um defuntozinho me dei mal. Uma vez tirei uma foto com a cara mais compungida do mundo na frente de um túmulo que eu achei que era do Galileu Galilei. Descobri que não era quando encontrei o verdadeiro túmulo do Galileu Galilei. Tirei outra foto, mas dessa vez já foi meio difícil disfarçar a risada. Daqui pra frente só vou atrás de um finado se eu tiver a oportunidade de ir ao Egito. Tenho certeza de que lá não vou me decepcionar, afinal as pirâmides todo mundo sabe onde fica, elas são enormes e, com certeza, valem a visita!

O Vidal até perguntou se ainda tinha mais alguma coisa para ver. Eu disse que o guia falava de uma Fonte da Juventude, mas a gente nem se arriscou a ir até lá. Ainda bem. Vi na Internet uma foto da tal fonte e ela não passa de um olho d'água perdido em algum ponto qualquer.

Voltamos dali mesmo. Claro que nos perdemos ainda uma vez antes de encontrarmos a estrada de volta. Mas foi um dia ótimo! É muito bom sair de vez em quando para espairecer!

Outras fotos desses nossos passeios já estão disponíveis no nosso Álbum de Fotos. Também descobri um site na Internet que tem fotos lindas da floresta. É claro que elas são muito mais bonitas que as nossas. Mas, tudo bem. Posso conviver com isso! Clique aqui para ver o site.

Por hoje é só pessoal! Prometo que vou tentar escrever com mais freqüência.