quinta-feira, abril 29, 2004

Nossa! Demorei para escrever! É que às vezes eu acabo me complicando aqui nas minhas tarefas e vou deixando para depois, para depois...

Quero dar notícias do final de semana. Enfim, a primavera de verdade! Sol e até mesmo um pouquinho de calor! Claro que à sombra o ventinho ainda castiga, mas, já não precisamos sair totalmente encasacados. Cheguei mesmo a colocar manga curta na Ana Luíza! Não pensei que essa época fosse chegar.

No domingo fomos fazer um passeio aqui por perto. Fomos nós quatro mais o Alexandre, um amigo do Vidal, brasileiro, que está estudando aqui também. Conhecemos dois lugares: Carnac e a floresta de Paimpont, (valeu a dica, Xana!).

Estamos próximos da Bretanha, região que é cheia de histórias e lendas. E cheia de sítios arqueológicos também. O primeiro lugar que fomos conhecer, Carnac, tem vários alinhamentos megalíticos, que, trocando em miúdos, quer dizer uma porção de grandes pedras (chamadas menires) colocadas em pé por homens pré-históricos do período neolítico, que ocorreu mais ou menos 5000 anos atrás. Um tempão! Além dos menires, também existem na região de Carnac os dólmens que são túmulos da mesma época. Como não poderia deixar de ser, é nessa cidade que existe um dos maiores museus de pré-história do mundo, não em tamanho, mas na quantidade e na qualidade do acervo.

Um dos motivos que nos levou a escolher esse passeio foi uma série de perguntas que o Felipe nos fez na semana anterior. Nós já estávamos nos preparando para "aquele" tipo de pergunta, do tipo "como é que eu fui parar dentro da sua barriga?", mas ele nos surpreendeu com coisas, como dizer, mais profundas.

Num fim de domingo, estávamos assistindo à televisão e ele, de repente, veio com a seguinte pergunta (ele se complicou bastante na hora de formulá-la, e eu vou apresentar uma versão mais direta da dúvida que ele tinha):

- Tudo bem. Eu vim de você, você veio da vovó, a vovó veio da bisa... Mas, quem foi que começou tudo isso?

Resumindo, ele queria saber quem foi o primeiro ser humano! Ficamos meio perplexos, demos umas risadinhas e ele ficou revoltadíssimo com isso. Pedimos desculpas e decidimos responder. Até pensamos na história do macaco, mas achamos que Darwin é meio demais para uma criança de quatro anos. Então utilizamos a versão bíblica:

- Foi o Papai-do-céu quem criou o primeiro homem e a primeira mulher. Eles tiveram filhos, que tiveram filhos, que tiveram filhos e assim foi até chegar na gente!

- Ahnnn...

Já estávamos quase respirando aliviados quando ele saiu com essa:

- E quem criou o Papai-do-céu?

Dureza! Filosofia pesada num domingo à noite?

- Isso ninguém sabe, Felipe...

- Ninguém sabe?

- Ninguém!

Ele ficou meio decepcionado. É por isso que quando decidimos sair um pouco no domingo de sol, resolvemos escolher um local pré-histórico. No museu tem alguns esqueletos (que foi, de longe, o que ele mais gostou do passeio), e nós pudemos apresentar: "Felipe, primeiros homens. Primeiros homens, Felipe." Tudo bem! Foi uma meia verdade isso, já que acabei de descobrir na Internet que os primeiros seres parecidos com um humano apareceram há 4 milhões de anos. Mas, aqueles esqueletos lá estavam muito mais próximos dos primeiros do que nós, não é?

Mas, vejam como as crianças são volúveis. Andamos mais de 100Km para acalmar as dúvidas existenciais da criatura e o que mais o impressionou foi descobrir que dentro dele também tem um esqueleto!!! Tudo bem. O passeio valeu mesmo assim.

Saímos do museu e fomos fazer um piquenique. Agora, não fazemos mais farofa, fazemos piqueniques. Com direito a toalha sobre a grama e tudo. Vejam só que bucólico:


O piquenique aconteceu ao lado de um dos alinhamentos, chamado Kermario. Foi muito legal ver as pedras alinhadas. Os alinhamentos que vimos tinham, cada um, em torno de 1 Km de extensão com pouco mais de 1000 pedras alinhadas em 10 fileiras. As pedras são enormes, pesadas, e tiveram de ser arrastadas e erguidas no lugar, o que deve ter dado um trabalho enorme. Tinham tempo esses primeiros humanos. Ô inveja!


Ninguém sabe o objetivo desses alinhamentos. Claro que existem várias teorias: calendário (pela incidência do sol eles poderiam determinar a época do ano), astrológica (previsão dos eclipses), religiosa, extra-terrestre... Eu acho que na verdade o problema era o tédio! Afinal, o que aquele povo tinha pra fazer a não ser arrastar pedras? Foi nessa época, no neolítico, que o homem deixou de ser nômade, começou a praticar a agricultura, a ter vida sedentária, criar barriga... Não tinha shopping, Internet, cinema, televisão... E mais, estou desconfiada que os descendentes diretos daquele pessoal, hoje ficam alinhando dominós. Como isso é bem mais fácil e mais rápido de fazer, eles derrubam tudo, para depois começar de novo... Sei lá, eu acho...

Vimos somente um dólmen, embora existam vários espalhados pela região. O que vimos era bem pequenininho, mas existem túmulos com até 15m de altura. Olha o nosso mini dólmen aí:


Bem, as pedras são muito interessantes, mas são todas meio iguais... Como ainda tínhamos tempo, decidimos conhecer um outro lugar e fomos até a floresta de Paimpont. Imagino que vocês devem estar se perguntando: "mas que diacho de floresta é essa que merece uma visita?" Vocês verão...

Diz a lenda (e o Guia Michelin) que depois da morte de Cristo, José de Arimatéia, um dos seus discípulos, saiu da Palestina levando algumas gotas do sangue de Jesus na taça em que ele bebeu durante a última ceia. O discípulo chegou até a Bretanha, na floresta de Brocéliande, e depois desapareceu completamente.

No século VI o Rei Arthur e cinqüenta cavaleiros decidiram recuperar a preciosa taça, o Santo-Graal, a qual somente um guerreiro de coração puro poderia conquistar. E eles partiram, junto com o mago Merlin, para a tal floresta e, a partir daí, centenas de lendas se criaram. Inclusive aquela que diz que Merlin se apaixonou pela fada Viviane e que ela acabou fazendo um feitiço que o deixou para sempre preso na floresta. Maneira esquisita de demonstrar amor...

Pois bem, a tal floresta de Brocéliande nada mais é do que a atual floresta de Paimpont! Há vários locais que referenciam a lenda na dita floresta, mas como não tínhamos muito tempo, escolhemos dois: o Vale sem Retorno e a Tumba de Merlin.

Guias e uns poucos mapas incompletos em punho, partimos de Carnac em direção às lendas. Nada de homens das cavernas colocando pedras em pé! A partir daquele momento, só fadas, magos e encantamentos...

A floresta é enorme! Bem, na verdade, não é bem o que nós, brasileiros, conhecemos por floresta. Quando a gente fala em floresta, pensa em algo como a Floresta Amazônica. A floresta deles é um pouco mais modesta, e nós aí chamaríamos de bosque ou mata. Eu dei um desconto para os bretões porque descobri que houve um grande incêndio nessa floresta em 1990, que durou cinco dias e destruiu árvores centenárias. Mas, dê-se o nome que quiser, floresta, picada, mato, bosque ou capão, o lugar é lindo mesmo assim.

Caminhamos vários kilômetros e o tal Vale sem Retorno não chegava. Enquanto rodávamos, fomos conhecendo um pouco da lenda. Morgana, danada da vida porque ganhou de presente de um dos seus vários amantes um belo par de guampas, resolveu "pinchar uma mardição" no vale: todos aqueles que fossem infiéis às suas digníssimas, não conseguiriam sair mais de lá. Imagino que a população masculina começou a diminuir sensivelmente, até que, Lancelot, o perfeito, o magnífico, fidelíssimo à sua amada Güinevere, acabou com a festa e os encantamentos malvada Morgana, quebrando todas as maldições. Sorte dele, da Guinevere e do monte de turistas do sexo masculino que podem, enfim, respirar aliviados e passear na floresta sem medo.

Pensei em ocultar esse detalhe sobre o fim do encantamento do Vidal e do Alexandre, só pra fazer um teste, mas achei que os dois são bem comportadinhos e entreguei o jogo todo. Será que fiz bem?

E nada do vale. É verdade que a gente não tinha mapas muito competentes, mas já era pra estar chegando. Foi aí que eu, sem querer, virei para trás e li uma placa que estava no sentido contrário da estrada indicando a entrada para o vale. Ainda bem! Fizemos meia-volta. E tocamos adiante. Muito poucas placas no caminho. Por via das dúvidas eu sempre dava uma olhadinha para trás pra ver se não tínhamos perdido mais alguma indicação. Pensamos que, na verdade, o vale sem retorno tinha esse nome porque a gente não conseguiria nem encontrá-lo, nem voltar de lá. Ninguém falou nada, mas acho que, lá no fundo, cada um tinha um medinho de ficar para sempre por ali. Claro que tinha sobrado um monte de coisas do piquenique, mas aquilo não ia durar eternamente, né?

Enfim, depois de ir, voltar, parar, duvidar... chegamos!

Parênteses. Agora mesmo, pesquisando algumas coisas na internet, descobri que a placa só de um lado da estrada é característica dos lugares turísticos na Bretanha. Isso quer dizer que, para viajar por lá, ou você escolhe o lado certo da estrada (o lado das placas), ou deixa um jacu virado pra trás pra poder ver o que já passou. Claro que não pode ser o motorista por motivos óbvios. Já viram para quem vai sobrar o torcicolo nas próximas viagens, né?

O lugar é realmente muito bonito. Enquanto estávamos indo, vários turistas e, entre eles, homens, estavam voltando, o que significa que o encanto realmente foi quebrado. Tive a impressão de perceber um suspiro de alívio no Vidal e no Alexandre... Não, não... Acho que foi só impressão! Ou será que não?

Chegamos até a "Árvore de Ouro", um tronco de carvalho dourado, cercado de pedras e de alguns outros troncos carbonizados. Simboliza que a floresta renasceu das cinzas depois do incêndio de 1990. Legal!


Voltamos ao carro para chegarmos ao nosso último destino: a tumba de Merlin.

Tínhamos de voltar àquele local onde estava a placa de um lado só da estrada, continuar adiante e atravessar a floresta até a outra extremidade. E lá fomos nós. Andamos, andamos e chegamos a uma outra estrada. Esquerda ou direita? Esquerda! À direita não tinha floresta. Um carro vermelho estava vindo do lado esquerdo, então imaginamos que ele tivesse ido também prestar uma homenagem ao mago.

Chegamos a um castelo que, como dizia o guia, ficava depois do tal túmulo, ou seja, tínhamos passado a entrada do lugar. Meia-volta! Toca pra trás. Cruzamos novamente com o carro vermelho. Eles também estavam perdidos!

No lugar em que viramos à esquerda, decidimos seguir adiante. Nada de floresta, nada de tumba. Meia-volta, novamente!

Começamos a ficar irritados. O Vidal disse que para ele já era uma questão de honra achar o tal lugar. Estávamos voltando por onde tínhamos ido quando vimos um grupo de pessoas paradas na beira da estrada. O Vidal desconfiou. Decidiu parar também. Ele desceu, atravessou a estrada e viu, escrito com canetinha e em italiano numa pilastra de uns 50cm de altura: "Tumba do Merlin" e uma setinha. Inacreditavelmente, era ali. Quer dizer, não era bem ali, ainda tínhamos de andar uns 500m pelo meio do mato. Coitada da Ana Luíza, o carrinho chacoalhava um monte no chão irregular. Mas, o pior nem foi isso. Dêem uma sacada no jeitão da tumba:


Micão brabo! Três pedrinhas amontoadas num cercadinho e só! Tudo bem, a gente não estava esperando letreiros de néon, um fantasma do Merlin de chapéu cônico e tudo o mais. Já tínhamos aprendido pela experiência no cemitério em Paris que esse tipo de coisa não acontece. Mas tínhamos rodado um tempão atrás do tal túmulo... Ele estava cheio de papeizinhos com mensagens, pedidos, sei lá. Não gosto muito de mexer nessas coisas, mas o Vidal pegou alguns deles para ler, tamanha era a indignação. Acho que ele teria feito uma fogueirinha dos papéis, se não fosse a falta de fósforos. Na verdade, o lugar era meio sinistro: tinha uma guirlanda ressecada pendurada naquele tronco bem junto às pedras, tinha um pedaço de roupa enrolado num galho bem alto de uma das árvores e eu vi um botão de roupa também preso entre as folhas de outra árvore. Se aquilo não fosse um feitiço, então tinha rolado uma suruba legal por ali. O Alexandre até chegou a comentar que o lugar tinha um aspecto que estava muito mais para "Bruxas de Blair" do que para "Brumas de Avalon". Deu até um arrepio.

Tiramos umas fotos pra gente poder rir da nossa própria cara depois e "picamos a mula" correndo dali. Voltamos por um outro caminho, no fim do qual eu pude ler em uma placa meio apagada que aquelas pedras, na verdade, eram remanescentes de um alinhamento de menires do período neolítico etc. e tal. Deu uma salvada no clima, mas não muito, uma vez que a gente já tinha visto um monte de menires. E tem mais! Depois me contaram que a lenda diz que o Merlin não morreu: foi vítima de um feitiço e que está lá na floresta até hoje. Só que não é no lugar em que dizem ser tumba dele! Disso temos certeza! Ele não estava lá. Ingrato!

Olha, o negócio é o seguinte: na próxima vez em que eu falar que fui atrás de uma tumba, vocês podem parar de ler a história. Não sei de onde vem essa idéia mórbida de visitar a morada eterna de gente que eu não conheci, só sei que todas as vezes em que eu fui atrás de um defuntozinho me dei mal. Uma vez tirei uma foto com a cara mais compungida do mundo na frente de um túmulo que eu achei que era do Galileu Galilei. Descobri que não era quando encontrei o verdadeiro túmulo do Galileu Galilei. Tirei outra foto, mas dessa vez já foi meio difícil disfarçar a risada. Daqui pra frente só vou atrás de um finado se eu tiver a oportunidade de ir ao Egito. Tenho certeza de que lá não vou me decepcionar, afinal as pirâmides todo mundo sabe onde fica, elas são enormes e, com certeza, valem a visita!

O Vidal até perguntou se ainda tinha mais alguma coisa para ver. Eu disse que o guia falava de uma Fonte da Juventude, mas a gente nem se arriscou a ir até lá. Ainda bem. Vi na Internet uma foto da tal fonte e ela não passa de um olho d'água perdido em algum ponto qualquer.

Voltamos dali mesmo. Claro que nos perdemos ainda uma vez antes de encontrarmos a estrada de volta. Mas foi um dia ótimo! É muito bom sair de vez em quando para espairecer!

Outras fotos desses nossos passeios já estão disponíveis no nosso Álbum de Fotos. Também descobri um site na Internet que tem fotos lindas da floresta. É claro que elas são muito mais bonitas que as nossas. Mas, tudo bem. Posso conviver com isso! Clique aqui para ver o site.

Por hoje é só pessoal! Prometo que vou tentar escrever com mais freqüência.

sexta-feira, abril 16, 2004

Elas me venceram! As manchas no chão da sala... Eu contei que já tinha esfregado o chão valendo sem sucesso e disse que ia atacar de água sanitária, lembram? Fiz isso e, novamente, elas não deram a menor bola para meus esforços. É preciso reconhecer uma derrota. Mas não é essa pequena batalha perdida que vai me derrubar. Não! Tenho muitas vitórias pra contar nesse lado doméstico da minha vida...

Vocês sabem que eu tinha tanta intimidade com o serviço de uma casa quanto eu tenho com mecânica de automóveis, né? Pelo menos, com os carros, eu sabia que, se por acaso tivesse um problema na rua, era só parar, abrir o capô e ficar olhando para o motor com cara de ponto de interrogação até aparecer uma alma caridosa para resolver meu problema. Pois bem. Na primeira vez que me vi diante de uma pia cheia de louça fiz o mesmo: fiquei parada olhando para ela com cara de ponto de interrogação. Não adiantou. Tentei o ponto de exclamação. Ninguém apareceu. Reticências... Nada! Percebi que era eu mesma quem tinha de resolver aquela bagunça!

Tudo bem, estou exagerando, eu sei. É claro que eu já tinha lavado louça na minha vida antes. Mas, roupa e na mão... Nunca! Quando chegamos aqui, ficamos 20 dias num apart-hotel. Num flat, para usar um termo em bom português. Depois de alguns dias eu já tinha uma pilha de meias, cuecas, calcinhas e roupas do Felipe pra lavar (como criança suja roupa!). Achei que ia ser super simples e fiz o que era óbvio: comprei uma caixa de sabão em pó, enchi uma bacia de água e coloquei tudo lá dentro. No dia seguinte, enxagüei bem, torci e, chocada, vi que tudo continuava completamente sujo! Fiquei tentando imaginar o que eu tinha feito de errado. Comecei a vasculhar minha memória em busca de filmes, novelas, essas coisas que eu podia ver quando não tinha uma casa pra cuidar, em que aparecessem mulheres lavando roupa. Lembrei! Para a roupa ficar limpa a gente tem de esfregar! Resolvi experimentar. Incrível! Não é que deu certo?

O problema é que, no terceiro par de meias (alguém pode me explicar porque fui comprar tantas meias brancas para o Felipe?), minhas mãos já estavam em frangalhos. Foi quando eu ouvi um barulhinho assim: chec, chec, chec. Olhei pro lado. Era o Felipe. Ele estava me "ajudando" a lavar a roupa. O tampo da pia da cozinha tinha uma parte cheia de ondulações. Ele tinha pegado uma peça e ficava passando para frente e para trás sobre aquelas ondulações. Olha só! Ele tinha descoberto o objetivo daquilo! Tudo bem. É meio nojento isso: lavar roupa íntima na pia da cozinha. O problema é que aqui não existe área de serviço nos apartamentos e casas. Pelo menos, não naqueles que tivemos a oportunidade de conhecer. Portanto, também não temos pia de cozinha. O que temos é um "tampia" ou um "pianque", como vocês preferirem, ou seja, uma coisa que serve ao mesmo tempo de pia de cozinha e de tanque. Pelo menos da torneira sai uma água "pelando fogo", como diz o Felipe, e a gente pode "escaldar" tudo quando muda de um serviço para o outro.

Mesmo a descoberta do Felipe ajudando bastante, ainda assim não estava achando aquilo muito legal. Sonhava com a suave melodia de uma máquina de lavar roupa funcionando! E comecei a perceber que uma casa é um lugar cheio de mistérios e fonte de muitas lendas... Primeiro exemplo: não sei se vocês sabem, mas dizem que a origem da cornucópia, aquele chifre de onde ficam jorrando eternamente frutas, sementes e coisas do gênero, seriam os cornos de uma cabra, chamada Amaltéia, que teria amamentado Zeus enquanto o poderoso fugia do pai que queria acabar com a raça dele e blá, blá, blá. Mentira! A origem da cornucópia é um cesto de roupa suja! Aquilo nunca fica vazio, por mais que a gente se esforce para lavar tudo. É impossível! A gente tenta, tenta, chega quase a esvaziá-lo, mas, um dia de bobeira e... pronto! Já está o bicho transbordando de novo. Por isso, tenho certeza de que quem inventou essa história da cornucópia só colocou essa coisa da cabra que amamenta um deus para ficar mais romântico. Na verdade, a idéia veio é do cesto de roupa suja mesmo!

E tem mais! Estou certa de que existe um buraco negro entre o cesto de roupa suja e a mesa de passar roupa. Se isso não for verdade, como explicar os pés de meia que simplesmente desaparecem? Felizmente todo mundo tem dois pés aqui em casa, mas sempre acaba sumindo um ou outro. É ou não é de espantar?

Estava começando a ficar desesperada com a tal da roupa. Me vi na obrigação de baixar decretos. Por exemplo, enquanto não tivéssemos máquina de lavar roupa, todo mundo tinha de almoçar pelado! Principalmente quando fosse comida com molho de tomate. Aliás, toalha de mesa? Dispensável! Mais fácil passar um paninho do que tentar tirar manchas de gordura de tecido. É por isso que as mesas não são mais de madeira de lei. Tudo de fórmica que é pra ser mais prático. E assim foi até comprarmos um dos grandes inventos da humanidade: uma máquina de lavar roupa. Ela é tão importante na nossa vida que vou dedicar um outro relato especialmente a ela. Esperem pra ver.

Por falar nessa história de inventos... Vou confessar uma coisa aqui. Entre os sete pecados capitais, eu reconheço fraquejar em dois. O primeiro deles é a preguiça. Admito, admito! Numa outra vida devo ter saído da barriga da minha mãe falando "ô meu rei... se avexe não...". Eu ficava meio chateada comigo mesma por causa disso. Mas comecei a refletir e cheguei à conclusão que os grandes inventos da humanidade foram criados por grandessíssimos preguiçosos. Vou explicar. Se não fosse pelo fato de alguém estar morrendo de preguiça de ter de arrastar as coisas, ainda não teria sido inventada a roda. É ou não é? Se não fosse a preguiça, porque tentar achar uma forma mais fácil de fazer alguma coisa difícil? Assim caminha a humanidade: preguiça de bater claras em neve? Liquidificador! Preguiça de ficar na frente do fogão esperando dar o horário de desligar o leite? Microondas! Preguiça de esfregar a roupa? Máquina de lavar! E por aí vai. E quem disser que não necessariamente essas coisas foram inventadas por quem, por exemplo, realmente tinha de lavar roupa, eu respondo: é verdade. O que só prova minha teoria! Essa criatura é tão preguiçosa, que tem preguiça só de pensar na tarefa que alguém teria de fazer e pimba! Inventa uma máquina. Minha preguiça ainda não me levou a inventar nada. Mas pelo menos estou com a consciência mais tranqüila...

Ahn? Qual é o outro pecado em que eu fraquejo? Ah, acho que não vou contar. Seria a avareza? Quem sabe a inveja? Ou talvez... a luxúria? Hein? Hein? Nada disso! Uma simples e mundana gula... Fazer o que...

Bem, essa gula também está tendo um efeito positivo: encontrei uma mestre-cuca escondida em mim. O problema é que o fato de cozinhar bastante me fez descobrir um outro mistério de uma casa...

Muitos cientistas já se perguntaram de onde se origina a vida. Lá pelo século XVII um maluco chamado Jean Baptista Van Helmont desenvolveu a teoria da "geração espontânea" que queria dizer mais ou menos o seguinte: a vida aparece espontaneamente a partir de uma matéria bruta. Deixe um pedaço de carne em um lugar qualquer e dias depois ele vai estar coberto de larvas. De onde vieram essas larvas? Do nada! Foram geradas espontaneamente (Coisa mais nojenta). Ele também tinha uma "receita" para a produção de ratos (chegadinho numa porquice esse tal de Van Helmont...). É claro que um monte de gente caiu matando em cima do coitado, dizendo que aquilo era um absurdo, que essa tal de geração espontânea não existia, etc., etc., etc. Homens! Mal sabem eles que a geração espontânea existe sim! É só fazer uma experiência bem simples...

Pegue uma cozinha cheia de louça suja e arrume tudo. Dê uma voltinha e reapareça logo em seguida. Você vai ver que começa a surgir, do nada, mais louça suja! Um copinho aqui, uma colherinha lá e, em pouco tempo, a pia já está cheia de novo. É ou não é uma geração espontânea? Você vai andando pela casa e lá estão elas: atrás da televisão, no chão, do lado do sofá... É uma loucura! Às vezes, elas estão mais agressivas. Você acaba de arrumar a cozinha, abre o fogão assim como quem não quer nada e encontra uma travessa imunda! Tem dias em que, além de agressivas, elas também estão abusadas: você termina a cozinha, enxuga a pia com papel-toalha (de vez em quando baixa o espírito da mania de perfeição), olha satisfeita para o trabalho concluído, vira as costas e dá de cara com um liquidificador sujo em cima do forno de microondas! É de matar!

Por favor, não confundam a geração espontânea com aquela outra coisa que acontece quando a gente se oferece, gentilmente, para lavar a louça para alguém e a dona da casa começa a desenterrar da geladeira potinhos de conteúdo geralmente cabeludo para a gente lavar. Isso não tem nada a ver com geração espontânea. Isso aí é sacanagem mesmo!

E os mistérios de uma casa não param por aí! Estou convencida de que existe um saci que passa pela nossa casa na madrugada de domingo para segunda. Sim, porque acho impossível acreditar que a bagunça que está na casa na segunda-feira de manhã já estivesse lá no domingo à noite! Tenho certeza de que isso é obra de um saci. Quer dizer, como estamos na Europa, talvez seja um Leprechaun que decidiu dar um tempo na sua tarefa de cuidar do pote de ouro que existe no final do arco-íris, e resolveu imitar o amigo brasileiro. O fato é que, saci ou duende, o resultado prático é que toda segunda-feira de manhã eu passo pelo "momento desolação" da semana quando dou uma olhada no estado geral da casa...

Do jeito que eu estou falando, até parece que estou achando ruim essa vida de mãe-esposa-dona-de-casa. Não! Tenho me divertido bastante e aprendido também. É meio cansativo, é verdade. Mas tenho criado meus mecanismos de defesa. Estou pensando em elaborar o "estatuto da dona de casa". Olhem só o que eu já carminholei:

1 - Estabeleça um horário de trabalho e cumpra-o à risca. Sua jornada se encerra às 19h00? Então encerre mesmo. Se for preciso, saia de casa, fique sentada na porta por uns cinco minutos e entre, se jogando no sofá e dizendo: "Puxa! O dia no trabalho hoje foi de matar. Nada como chegar em casa e dar uma relaxada!"

2 - Respeite seu horário de trabalho. Esses dias, quando decidi que era hora de parar, fui tomar um copo d'água na cozinha. Enquanto tomava a água, olhei para cima e pensei "Nossa! Esse lustre da cozinha está um horror!". Já estava quase pegando um paninho quando disse para mim mesma: "Nem pensar!". Se eu fizesse isso, com certeza ia dar meia-noite e eu estaria de balde em punho lavando os vidros da sala.

3 - Escolha um dia para ser o "dia da faxina". Nos outros, faça só o básico. Eu escolhi a terça-feira. Por quê? Bem, na segunda não dava (tem o problema do saci...). Na quarta-feira o Felipe não tem escola... Quinta e sexta já estão muito próximas do sábado. Do jeito que eu fiz, como os outros dias vão ser mais leves, meu final de semana já começa na terça-feira à noite (olha a preguiça se manifestando aí).

4 - Resista à tentação do "vou lavar só essa loucinha...". Não faça isso! Se você começa lavando uma loucinha, elas começam a se multiplicar feito loucas (não se esqueça da geração espontânea), e você acaba não fazendo mais nada o dia todo! Deixe acumular um tanto razoável na pia e só depois se atraque com as bandidas.

5 - Resigne-se ao fato de que, amanhã, você vai ter de fazer de novo tudo o que fez hoje. É assim mesmo. Portanto, não vale a pena querer "adiantar" as coisas. Não dá. Deixe para amanhã o que deve ser feito amanhã e pronto. Agora eu entendi uma história que a Selvina, que trabalhou na minha casa por quase 10 anos, me contou. Ela disse que o castigo dado à mulher por causa daquele episódio da maçã era ter de fazer o serviço doméstico. Ele nunca acaba e todos os dias tem de ser refeito. Bem bolado esse castigo, né? O problema é que na época da Eva, todo mundo comia com as mãos e só vestia folhas de parreira (que são descartáveis). Sacanagem o que a esposa do Adão foi fazer com a gente... Já estava na hora de o divino rever esse castigo, não é verdade?

Esses são os primeiros artigos, que tal? Ainda vou trabalhar mais em alguns detalhes. Vai ficar profissional, vocês vão ver...

De maneira geral e apesar de toda a inexperiência, tenho me saído bem. Claro, às vezes as coisas não dão muito certo, como o dia em que fui lavar o banheiro de esguicho e ele ficou fedido por uma semana! O problema é que no nosso banheiro o encanamento é todo aparente. Isso é ótimo na hora de fazer um reparo, mas cria cantos inatingíveis. Logo que chegamos aqui, empolgada pelo sucesso das minhas primeiras limpadas de banheiro, resolvi lavar tudo de verdade e taquei água valendo por trás de todos os canos. Saiu uma quantidade inimaginável de sujeira, só que ficou alguma coisa lá. Essa "coisa" ficou encharcada e demorou dias para secar. O cheiro era horrível. Não quero nem saber o que era, mas decidi que, esguicho no banheiro, nunca mais! Claro que tem a hora de o banheiro tomar banho. Nesses dias, depois que acabo o serviço, de vez em quando volto lá só pra respirar um pouquinho. Fico orgulhosa de mim mesma!

Outro fato interessante... Desenterrei de algum canto obscuro da minha memória a lembrança de algumas propagandas de amaciante de roupa. Achei que valia a pena investir nisso porque notei que as roupas ficavam meio duras depois de lavadas. Fui lá e comprei o mais barato que tinha no mercado. Bem, amaciante, como o próprio nome diz, devia amaciar a roupa, não é? Só que um dia, quando fui recolher as toalhas de banho do varal, sem querer, deixei uma delas cair no chão. Ela parou de pé! Achei aquilo meio estranho. Mas a certeza de que o amaciante não estava fazendo o trabalho dele veio no dia em que o Vidal me perguntou:

- Você tem usado amaciante de roupa?

- Tenho, por quê?

- É porque ontem de manhã coloquei uma cueca e saí de casa. Tive de andar bastante e... bem... as partes, sabe? Ficaram todas esfoladas...

Claro que ele colocou mais roupa por cima da cueca, afinal aqui faz um frio danado. Mas nesse dia tive certeza absoluta de que o ditado "o barato sai caro" é a mais pura verdade! Fui correndo ao mercado e comprei um produto mais decente! Achei uma injustiça o amaciante estar estragando meu trabalho porque, depois da máquina de lavar, tenho me saído muito bem no quesito "lavagem de roupa".

Bem, para falar a verdade, teve a ocasião em que acumulei vários panos de prato para lavar. Vocês sabem, os panos de prato... Aqueles pedaços de tecido que servem para tirar a sujeira que não saiu na esponja! Eles geralmente ficam num estado lastimável. Pois bem, muita água sanitária e sabão em pó rolou pelo meu "pianque" até que eu terminei tudo. A primeira parte da lavagem foi na mão mesmo, vejam só que progresso. Como estava empolgada na empreitada, decidi lavar também os panos de chão. Quando terminei, pendurei tudo à altura dos olhos para admirar minha obra e foi nesse momento que percebi, horrorizada, que os panos de chão tinham ficado mais brancos do que os panos de prato! Achei aquilo um absurdo! E não tive dúvida: fui lá e, imediatamente, sujei os panos de chão!

terça-feira, abril 13, 2004

Fiquei alguns dias sem escrever, mas o motivo foi justo. Tivemos alguns maus momentos na semana passada. Quem estava acompanhando percebeu que tinham sido duas semanas seguidas com problemas de saúde do Felipe. Semana passada foi a terceira!

Na segunda-feira ele começou a tossir e eu a ficar desesperada. Eu sabia que ele teria uma crise e não tinha nada que eu pudesse fazer a não ser esperar. Eu e o Vidal discutimos e decidimos aguardar até o dia seguinte para levá-lo ao médico se fosse necessário. Até tentamos começar as inalações antes, mas não adiantou nada. Passamos a noite de segunda para terça-feira fazendo inalações a cada uma hora e meia, mas ele não melhorava. Às sete horas da manhã nós decidimos levá-lo ao hospital.

Quando chegamos lá ele estava com 86% da capacidade respiratória e estava muito mal. Eles fizeram inalações seguidas e o colocaram no oxigênio. Em seguida, nos disseram que ele deveria ficar internado até que a capacidade respiratória se mantivesse próximo de 100% sem o uso de oxigênio, e foi o que aconteceu. No mesmo momento eles nos informaram que a Ana Luíza não poderia ficar no hospital nem em horário de visita a fim de não correr riscos. Foram momentos muito difíceis para mim: de um lado o Felipe super fragilizado, morrendo de medo de ficar sozinho, de tomar injeção e de outro a Ana Luíza que ainda mama no peito e que não podia ficar no hospital conosco.

Felizmente pudemos contar com a ajuda valiosa de um casal de amigos que temos aqui: Cláudia e Alexandre. Entre as mamadas eu deixava a Ana Luíza na casa deles pra poder ficar um pouquinho no hospital com o Felipe. Durante a noite era só o Vidal com ele. Aliás, o Vidal entrou no hospital na terça-feira de manhã e só saiu na quinta-feira no final da tarde. Na quarta, no início da tarde, eu fiquei sozinha com o Felipe para que o Vidal pudesse vir em casa tomar um banho e comparecer ao banco, onde ele tinha um horário marcado para atendimento. O resto do tempo ele ficou com o Felipe. Para todos nós foi difícil, mas para ele foi ainda mais: passar o dia todo no hospital, sentado numa cadeira simples, dormir numa caminha de armar e sem travesseiro na primeira noite, isso depois de ter passado uma noite sem dormir porque estava terminando um trabalho que tinha de entregar. Não foi nada fácil.

Mas, de qualquer forma, é bom acontecer esse tipo de coisa pra gente poder ver o quanto somos abençoados e sem problemas. Por mais que a administração do hospital tente tornar o lugar o mais agradável possível para as crianças, é um hospital. No quarto do Felipe, quando ele chegou, tinha uma menina que já fez cirurgia no coração e que atualmente sofre de problemas no pulmão. O avô que estava com ela disse que é uma sorte ela ainda estar viva e que estava feliz porque daquela vez ela só tinha ficado uma noite. Normalmente as internações dela duram de 10 a 15 dias. No quarto vizinho tinha um menino da mesma idade do Felipe, o Romain. Os dois ficaram amigos e brincaram muito. O Romain tem o mesmo problema do Felipe, ou seja, crises de bronquite. Só que essas crises podem se manifestar de duas formas: dificuldade respiratória ou eczemas (feridas) na pele. O Felipe teve os eczemas uma vez nas costas. É horrível, a pele fica toda cheia de feridas. O Romain tinha essa manifestação, só que no rosto, nos pés e nas mãos. Deu muita pena.

Foi ótimo as crianças poderem brincar, mas isso nos colocou em situações pouco confortáveis às vezes. Quando eu fiquei sozinha com o Felipe, ele quis andar pelo corredor do hospital atrás de uns palhaços que iam no quarto de todas as crianças. O problema é que ele estava no oxigênio direto, então aonde ele ia, eu ia atrás carregando o bujão de oxigênio. À noite eu não conseguia mexer os braços de tão doloridos. E mais: eu e o Vidal não desgrudávamos dele nem por um segundo. Acabávamos brincando junto, como fazemos aqui em casa. Isso foi atraindo a atenção de outras crianças e, na quinta-feira, o Vidal se viu numa creche! O Felipe e mais dois meninos brincando no quarto com todos os momentos normais de uma brincadeira: os gritos, os movimentos bruscos e as brigas... Não queremos ficar julgando as mães dos meninos que estavam no hospital e que deixaram os filhos por conta do Vidal, mas foi meio cansativo isso. Teve um momento em que o Vidal foi enérgico: fechou a porta e disse que os dois iam descansar. Cuidar de um, e que é nosso, tudo bem... Mas, cada um que cuide do seu filho, né?

Eles saíram do hospital na quinta-feira à tarde. Dia do aniversário do Vidal. Ainda conseguimos fazer uma janta especial, mas decidimos que não estamos mais querendo datas festivas aqui em casa: no meu aniversário no ano passado o Felipe teve uma crise e nós passamos o dia de pijama; no Natal eu estava internada; no aniversário do Vidal, o Felipe estava internado. Não estamos tendo muita sorte nessas datas.

Por isso fiquei sem escrever muito nessas últimas semanas. Agora acreditamos que está tudo bem: ele está fazendo um tratamento preventivo contra as crises. Além disso, parece que enfim vai começar a esquentar nesta terra! Semana passada ainda tivemos zero grau de manhã! Quando o tempo fica mais quente, as chances de crises são menores.

Esta semana o Felipe está de férias. Fica em casa o dia todo o que me deixa com menos tempo para usar o computador. Na semana que vem prometo voltar a contar nossos "causos". Já tenho algumas histórias no gatilho.

Até lá!

quinta-feira, abril 01, 2004

Oi todo mundo! Mas, em especial, oi Gabriela!!! Parabéns! Muitas felicidades, etc e tal! 14 anos! Essa idade é ótima, vai começar para você um período muito legal da vida. Não vou dizer que é o melhor, porque, na verdade, o melhor período da vida é aquele que a gente está vivendo agora. Os outros já passaram ou ainda estão por vir e, portanto, não nos pertencem. Nossa! Me lembro como se fosse hoje a primeira vez que eu te vi: três anos, barriguinha de fora, os cabelos sobre os olhos, parada na calçada vendo o tio Vidal chegar com aquela tia nova: "Cadê a tia Simone?" (era a namorada anterior do Vidal...). Tudo bem, eu já perdoei isso... Nem bem eu entrei já pegou chicletes na minha bolsa, passou meu batom e... Chega! Tudo o que a gente NÃO quer quando tem quatorze anos é uma tia lembrando das nossas gracinhas de criança. Não! Não vou te fazer pagar esse mico, pode ficar tranqüila! Mesmo sendo uma tia "quase madrinha". Quase madrinha de batismo (cheguei tarde, né?), quase madrinha de crisma (estava longe)... Ei, quem sabe madrinha de casamento?

Aproveite bem o dia de hoje e todos que estão por vir. Estamos daqui mandando muitas bênçãos e alegrias para você!

Primeiro de abril... Não vou fazer nenhuma gracinha porque nunca fui boa nisso. E, para os curiosos, os franceses também "comemoram" o primeiro de abril. Aqui, além das brincadeiras, geralmente de mau gosto, ainda tem uma tradição: colar um peixe desenhado em papel nas costas dos outros (sem que eles vejam, é óbvio). Por isso o dia primeiro de abril é chamado "Poisson d'avril", que significa: peixe de abril. Ouvi uma explicação hoje na televisão, mas como ela mesma pode ser uma brincadeira de primeiro de abril, prometo que vou descobrir o que significa isso e publico aqui para vocês.

Mudando de assunto, a semana é nova, mas a notícia não. Novamente noites sem dormir por probleminhas de saúde do Felipe. Dessa vez foi uma inflamação de garganta. O problema é que inflamações de garganta sempre dão febres muito altas e difíceis de baixar. Dessa vez não foi diferente, chegou a 40.1 na terça-feira à tarde. Mas ele já está bem, podem ficar sossegados. A novidade desse novo episódio de saúde é que mudamos a tática para dar remédios...

Toda criança tem seus probleminhas de saúde e o Felipe não é uma exceção. A maior dificuldade é com as crises de bronquite como a maioria de vocês já sabe. Portanto, desde muito pequenininho, ele sempre esteve às voltas com remédios. Chegou uma época em que ele tomava oito diferentes no dia! Foi quando decidimos pela homeopatia. Também não deu muito certo. Voltamos para a alopatia. E os remédios sempre lá. O que acontece é que ele não conseguia tomar alguns deles, como anti-térmicos, por exemplo. A gente dava o remédio e ele vomitava tudo. Uma dificuldade! Isso nos fez desenvolver táticas de paciência e verdadeiras estratégias de guerra para conseguir que ele tomasse os medicamentos, além de contar com a colaboração dos médicos na prescrição de remédios com um gosto menos ruim. O que aconteceu foi o seguinte: ficamos reféns do Felipe! Cada vez que um novo remédio era prescrito, vinha o receio: será que esse ele vai conseguir tomar?

A primeira fase era a da dúvida: que gosto tem? Eu geralmente experimentava antes para fazer minha própria avaliação. Depois vinha a fase de negociações. Muitas vezes demorávamos mais de 20 minutos para convencê-lo a tomar uma dose. Quero deixar claro que nunca tivemos problemas para usar o método "força bruta": alguém segura os braços, outro, o nariz e a gente enfia goela abaixo. Mas tinha o problema dos vômitos. Quando enfim ele tomava, vinha a fase suspense: ficávamos alguns segundos ansiosos olhando para a cara dele e esperando pela reação. Ufa! Engoliu. Beleza! Ou então: vai buscar um pano de chão porque esse não deu... Mais de uma vez tivemos de mudar de antibiótico, por exemplo. Eu já estava indo à farmácia como quem vai ao supermercado: "Deixa eu ver... Sabor morango com leves toques de frutas vermelhas... É, esse vai dar. Sabor laranja com traços de menta? Nem pensar! Vamos ligar para o médico e pedir uma substituição!"

Na terça-feira nós o levamos ao médico e, antes mesmo de começar a discussão sobre o paladar do novo antibiótico, tivemos de ouvir: "Mas não é ele quem decide. Quem manda são vocês!" Tudo bem. Nós merecemos esse puxão de orelha. Agora vem nosso mecanismo de defesa: fomos nos acostumando a isso. Nós e o Felipe, é claro. Sim, porque ele já tinha aprendido o jogo e, quando aos oito meses ele vomitava o anti-térmico poderia ser sensibilidade gástrica, mas quase aos cinco anos fazer a mesma coisa já é malandragem mesmo. Só que a gente não tinha se dado conta disso.

Mudamos a tática. Agora não tem mais discussão. Tem de tomar e pronto. E se vomitar? Vai tomar de novo. E se vomitar de novo? Vai tomar de novo. E de novo, e de novo, e de novo, até parar no estômago. E não é que deu certo? No começo ele até que tentou fazer manha, uma regurgitaçãozinha básica. Mas fomos firmes. Foi duro sermos ríspidos com uma criança que estava com quase 40 graus de febre, mas sentimos que isso era importante. Para ele e para nós. Ia chegar um dia em que nem um antibiótico sabor chocolate com cobertura de leite condensado ia ser suficiente. E tem mais! Os remédios de hoje em dia estão cada vez mais agradáveis. No meu tempo não era assim, não! (Credo! Quando gente começa a falar "No meu tempo era diferente" é porque já está quase dobrando o Cabo da Boa Esperança...).

Na mesma terça-feira tinha a consulta mensal da Ana Luíza. Ela continua super bem, embora tenha crescido um pouco menos e, por conseqüência, ganho um pouco menos de peso nesse último mês. É claro que eu já fiquei de orelha em pé, achando que, com certeza, é culpa minha.

Vocês podem ir procurar no dicionário e vai estar lá: sinônimo de mãe: Culpa! E se não estiver assim no dicionário é porque quem fez esse verbete não foi uma mãe, já que tudo na mãe se resume em sentir-se culpada: a Ana Luíza não manteve a média de crescimento? Culpa minha. O Felipe faz manha pra tomar remédio? Culpa minha. Ele tem crises de bronquite? Culpa minha! Eu também tinha quando criança. Aliás, o Vidal também tinha. Aí, nesse caso, já dá pra dividir a culpa com ele. Como isso é herança genética, também dá pra jogar um pouco da responsabilidade para os nossos pais. E para os pais deles também, é claro. Pensando bem, já entrou tanta gente na jogada que nem estou me sentindo mais tão culpada. Ai que alívio!

É, minha gente, acho que não tem nada mais difícil do que ser pai e mãe. A gente tem de trabalhar para sustentar, tem de educar, mandar tomar banho, escovar os dentes, comer salada, tomar remédio, manter a ordem... Não pode deixar ficar muito tempo na frente da televisão, nem na frente do computador, tem de observar se está fazendo exercícios, comendo direito, dormindo direito, agasalhado o suficiente (nem muito, nem pouco). Tem de saber se vai bem na escola, tem de dar orientação espiritual... Tem de ler histórias, montar quebra-cabeça, brincar junto, levar ao parque de diversões, levar ao cinema, levar para passear. E o pior ainda está por vir: a adolescência! Fase em que vamos ter de ouvir que somos caretas. (Ih! Acho que hoje em dia só diz "careta" quem já é "careta". O que os adolescentes dizem hoje em dia?) Tudo isso vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, sem direito a pedir férias ou demissão. Ah! É claro! E ainda tem de viver a própria vida, porque um dia os filhos crescem, saem de casa, resolvem fazer doutorado na França e ainda deixam você longe dos netos!

E não acabou por aí! Ser pai e mãe ainda significa levar bronca de médico, de professora, de psicólogo e até de apresentador de televisão. Ouvir as dicas dos amigos, da família, dos vizinhos. Como todos sabem, não existe nada mais fácil do que educar os filhos dos outros, então todo mundo tem um conselho de sucesso para dar. É uma pena que nada disso pareça funcionar com os filhos da gente. Como bem explicou nosso amigo Marcos: "Antes de ter meu primeiro filho, eu tinha um monte de regras de educação. Não deu nada certo. Aí veio o segundo filho. Eu refiz as regras, já que agora tinha experiência. Também não deu. Veio o terceiro filho. Resolvi jogar todas as regras no lixo, porque elas não servem para nada: cada um é diferente do outro". E é isso aí: cada filho, um novo trabalho de construção. Haja pique e energia! O mais incrível é que a gente tem certeza de que não viveria sem eles (os filhos) e, esquecendo todas as dificuldades, se pega um dia pensando: quem sabe um terceiro?