quinta-feira, abril 29, 2004

Nossa! Demorei para escrever! É que às vezes eu acabo me complicando aqui nas minhas tarefas e vou deixando para depois, para depois...

Quero dar notícias do final de semana. Enfim, a primavera de verdade! Sol e até mesmo um pouquinho de calor! Claro que à sombra o ventinho ainda castiga, mas, já não precisamos sair totalmente encasacados. Cheguei mesmo a colocar manga curta na Ana Luíza! Não pensei que essa época fosse chegar.

No domingo fomos fazer um passeio aqui por perto. Fomos nós quatro mais o Alexandre, um amigo do Vidal, brasileiro, que está estudando aqui também. Conhecemos dois lugares: Carnac e a floresta de Paimpont, (valeu a dica, Xana!).

Estamos próximos da Bretanha, região que é cheia de histórias e lendas. E cheia de sítios arqueológicos também. O primeiro lugar que fomos conhecer, Carnac, tem vários alinhamentos megalíticos, que, trocando em miúdos, quer dizer uma porção de grandes pedras (chamadas menires) colocadas em pé por homens pré-históricos do período neolítico, que ocorreu mais ou menos 5000 anos atrás. Um tempão! Além dos menires, também existem na região de Carnac os dólmens que são túmulos da mesma época. Como não poderia deixar de ser, é nessa cidade que existe um dos maiores museus de pré-história do mundo, não em tamanho, mas na quantidade e na qualidade do acervo.

Um dos motivos que nos levou a escolher esse passeio foi uma série de perguntas que o Felipe nos fez na semana anterior. Nós já estávamos nos preparando para "aquele" tipo de pergunta, do tipo "como é que eu fui parar dentro da sua barriga?", mas ele nos surpreendeu com coisas, como dizer, mais profundas.

Num fim de domingo, estávamos assistindo à televisão e ele, de repente, veio com a seguinte pergunta (ele se complicou bastante na hora de formulá-la, e eu vou apresentar uma versão mais direta da dúvida que ele tinha):

- Tudo bem. Eu vim de você, você veio da vovó, a vovó veio da bisa... Mas, quem foi que começou tudo isso?

Resumindo, ele queria saber quem foi o primeiro ser humano! Ficamos meio perplexos, demos umas risadinhas e ele ficou revoltadíssimo com isso. Pedimos desculpas e decidimos responder. Até pensamos na história do macaco, mas achamos que Darwin é meio demais para uma criança de quatro anos. Então utilizamos a versão bíblica:

- Foi o Papai-do-céu quem criou o primeiro homem e a primeira mulher. Eles tiveram filhos, que tiveram filhos, que tiveram filhos e assim foi até chegar na gente!

- Ahnnn...

Já estávamos quase respirando aliviados quando ele saiu com essa:

- E quem criou o Papai-do-céu?

Dureza! Filosofia pesada num domingo à noite?

- Isso ninguém sabe, Felipe...

- Ninguém sabe?

- Ninguém!

Ele ficou meio decepcionado. É por isso que quando decidimos sair um pouco no domingo de sol, resolvemos escolher um local pré-histórico. No museu tem alguns esqueletos (que foi, de longe, o que ele mais gostou do passeio), e nós pudemos apresentar: "Felipe, primeiros homens. Primeiros homens, Felipe." Tudo bem! Foi uma meia verdade isso, já que acabei de descobrir na Internet que os primeiros seres parecidos com um humano apareceram há 4 milhões de anos. Mas, aqueles esqueletos lá estavam muito mais próximos dos primeiros do que nós, não é?

Mas, vejam como as crianças são volúveis. Andamos mais de 100Km para acalmar as dúvidas existenciais da criatura e o que mais o impressionou foi descobrir que dentro dele também tem um esqueleto!!! Tudo bem. O passeio valeu mesmo assim.

Saímos do museu e fomos fazer um piquenique. Agora, não fazemos mais farofa, fazemos piqueniques. Com direito a toalha sobre a grama e tudo. Vejam só que bucólico:


O piquenique aconteceu ao lado de um dos alinhamentos, chamado Kermario. Foi muito legal ver as pedras alinhadas. Os alinhamentos que vimos tinham, cada um, em torno de 1 Km de extensão com pouco mais de 1000 pedras alinhadas em 10 fileiras. As pedras são enormes, pesadas, e tiveram de ser arrastadas e erguidas no lugar, o que deve ter dado um trabalho enorme. Tinham tempo esses primeiros humanos. Ô inveja!


Ninguém sabe o objetivo desses alinhamentos. Claro que existem várias teorias: calendário (pela incidência do sol eles poderiam determinar a época do ano), astrológica (previsão dos eclipses), religiosa, extra-terrestre... Eu acho que na verdade o problema era o tédio! Afinal, o que aquele povo tinha pra fazer a não ser arrastar pedras? Foi nessa época, no neolítico, que o homem deixou de ser nômade, começou a praticar a agricultura, a ter vida sedentária, criar barriga... Não tinha shopping, Internet, cinema, televisão... E mais, estou desconfiada que os descendentes diretos daquele pessoal, hoje ficam alinhando dominós. Como isso é bem mais fácil e mais rápido de fazer, eles derrubam tudo, para depois começar de novo... Sei lá, eu acho...

Vimos somente um dólmen, embora existam vários espalhados pela região. O que vimos era bem pequenininho, mas existem túmulos com até 15m de altura. Olha o nosso mini dólmen aí:


Bem, as pedras são muito interessantes, mas são todas meio iguais... Como ainda tínhamos tempo, decidimos conhecer um outro lugar e fomos até a floresta de Paimpont. Imagino que vocês devem estar se perguntando: "mas que diacho de floresta é essa que merece uma visita?" Vocês verão...

Diz a lenda (e o Guia Michelin) que depois da morte de Cristo, José de Arimatéia, um dos seus discípulos, saiu da Palestina levando algumas gotas do sangue de Jesus na taça em que ele bebeu durante a última ceia. O discípulo chegou até a Bretanha, na floresta de Brocéliande, e depois desapareceu completamente.

No século VI o Rei Arthur e cinqüenta cavaleiros decidiram recuperar a preciosa taça, o Santo-Graal, a qual somente um guerreiro de coração puro poderia conquistar. E eles partiram, junto com o mago Merlin, para a tal floresta e, a partir daí, centenas de lendas se criaram. Inclusive aquela que diz que Merlin se apaixonou pela fada Viviane e que ela acabou fazendo um feitiço que o deixou para sempre preso na floresta. Maneira esquisita de demonstrar amor...

Pois bem, a tal floresta de Brocéliande nada mais é do que a atual floresta de Paimpont! Há vários locais que referenciam a lenda na dita floresta, mas como não tínhamos muito tempo, escolhemos dois: o Vale sem Retorno e a Tumba de Merlin.

Guias e uns poucos mapas incompletos em punho, partimos de Carnac em direção às lendas. Nada de homens das cavernas colocando pedras em pé! A partir daquele momento, só fadas, magos e encantamentos...

A floresta é enorme! Bem, na verdade, não é bem o que nós, brasileiros, conhecemos por floresta. Quando a gente fala em floresta, pensa em algo como a Floresta Amazônica. A floresta deles é um pouco mais modesta, e nós aí chamaríamos de bosque ou mata. Eu dei um desconto para os bretões porque descobri que houve um grande incêndio nessa floresta em 1990, que durou cinco dias e destruiu árvores centenárias. Mas, dê-se o nome que quiser, floresta, picada, mato, bosque ou capão, o lugar é lindo mesmo assim.

Caminhamos vários kilômetros e o tal Vale sem Retorno não chegava. Enquanto rodávamos, fomos conhecendo um pouco da lenda. Morgana, danada da vida porque ganhou de presente de um dos seus vários amantes um belo par de guampas, resolveu "pinchar uma mardição" no vale: todos aqueles que fossem infiéis às suas digníssimas, não conseguiriam sair mais de lá. Imagino que a população masculina começou a diminuir sensivelmente, até que, Lancelot, o perfeito, o magnífico, fidelíssimo à sua amada Güinevere, acabou com a festa e os encantamentos malvada Morgana, quebrando todas as maldições. Sorte dele, da Guinevere e do monte de turistas do sexo masculino que podem, enfim, respirar aliviados e passear na floresta sem medo.

Pensei em ocultar esse detalhe sobre o fim do encantamento do Vidal e do Alexandre, só pra fazer um teste, mas achei que os dois são bem comportadinhos e entreguei o jogo todo. Será que fiz bem?

E nada do vale. É verdade que a gente não tinha mapas muito competentes, mas já era pra estar chegando. Foi aí que eu, sem querer, virei para trás e li uma placa que estava no sentido contrário da estrada indicando a entrada para o vale. Ainda bem! Fizemos meia-volta. E tocamos adiante. Muito poucas placas no caminho. Por via das dúvidas eu sempre dava uma olhadinha para trás pra ver se não tínhamos perdido mais alguma indicação. Pensamos que, na verdade, o vale sem retorno tinha esse nome porque a gente não conseguiria nem encontrá-lo, nem voltar de lá. Ninguém falou nada, mas acho que, lá no fundo, cada um tinha um medinho de ficar para sempre por ali. Claro que tinha sobrado um monte de coisas do piquenique, mas aquilo não ia durar eternamente, né?

Enfim, depois de ir, voltar, parar, duvidar... chegamos!

Parênteses. Agora mesmo, pesquisando algumas coisas na internet, descobri que a placa só de um lado da estrada é característica dos lugares turísticos na Bretanha. Isso quer dizer que, para viajar por lá, ou você escolhe o lado certo da estrada (o lado das placas), ou deixa um jacu virado pra trás pra poder ver o que já passou. Claro que não pode ser o motorista por motivos óbvios. Já viram para quem vai sobrar o torcicolo nas próximas viagens, né?

O lugar é realmente muito bonito. Enquanto estávamos indo, vários turistas e, entre eles, homens, estavam voltando, o que significa que o encanto realmente foi quebrado. Tive a impressão de perceber um suspiro de alívio no Vidal e no Alexandre... Não, não... Acho que foi só impressão! Ou será que não?

Chegamos até a "Árvore de Ouro", um tronco de carvalho dourado, cercado de pedras e de alguns outros troncos carbonizados. Simboliza que a floresta renasceu das cinzas depois do incêndio de 1990. Legal!


Voltamos ao carro para chegarmos ao nosso último destino: a tumba de Merlin.

Tínhamos de voltar àquele local onde estava a placa de um lado só da estrada, continuar adiante e atravessar a floresta até a outra extremidade. E lá fomos nós. Andamos, andamos e chegamos a uma outra estrada. Esquerda ou direita? Esquerda! À direita não tinha floresta. Um carro vermelho estava vindo do lado esquerdo, então imaginamos que ele tivesse ido também prestar uma homenagem ao mago.

Chegamos a um castelo que, como dizia o guia, ficava depois do tal túmulo, ou seja, tínhamos passado a entrada do lugar. Meia-volta! Toca pra trás. Cruzamos novamente com o carro vermelho. Eles também estavam perdidos!

No lugar em que viramos à esquerda, decidimos seguir adiante. Nada de floresta, nada de tumba. Meia-volta, novamente!

Começamos a ficar irritados. O Vidal disse que para ele já era uma questão de honra achar o tal lugar. Estávamos voltando por onde tínhamos ido quando vimos um grupo de pessoas paradas na beira da estrada. O Vidal desconfiou. Decidiu parar também. Ele desceu, atravessou a estrada e viu, escrito com canetinha e em italiano numa pilastra de uns 50cm de altura: "Tumba do Merlin" e uma setinha. Inacreditavelmente, era ali. Quer dizer, não era bem ali, ainda tínhamos de andar uns 500m pelo meio do mato. Coitada da Ana Luíza, o carrinho chacoalhava um monte no chão irregular. Mas, o pior nem foi isso. Dêem uma sacada no jeitão da tumba:


Micão brabo! Três pedrinhas amontoadas num cercadinho e só! Tudo bem, a gente não estava esperando letreiros de néon, um fantasma do Merlin de chapéu cônico e tudo o mais. Já tínhamos aprendido pela experiência no cemitério em Paris que esse tipo de coisa não acontece. Mas tínhamos rodado um tempão atrás do tal túmulo... Ele estava cheio de papeizinhos com mensagens, pedidos, sei lá. Não gosto muito de mexer nessas coisas, mas o Vidal pegou alguns deles para ler, tamanha era a indignação. Acho que ele teria feito uma fogueirinha dos papéis, se não fosse a falta de fósforos. Na verdade, o lugar era meio sinistro: tinha uma guirlanda ressecada pendurada naquele tronco bem junto às pedras, tinha um pedaço de roupa enrolado num galho bem alto de uma das árvores e eu vi um botão de roupa também preso entre as folhas de outra árvore. Se aquilo não fosse um feitiço, então tinha rolado uma suruba legal por ali. O Alexandre até chegou a comentar que o lugar tinha um aspecto que estava muito mais para "Bruxas de Blair" do que para "Brumas de Avalon". Deu até um arrepio.

Tiramos umas fotos pra gente poder rir da nossa própria cara depois e "picamos a mula" correndo dali. Voltamos por um outro caminho, no fim do qual eu pude ler em uma placa meio apagada que aquelas pedras, na verdade, eram remanescentes de um alinhamento de menires do período neolítico etc. e tal. Deu uma salvada no clima, mas não muito, uma vez que a gente já tinha visto um monte de menires. E tem mais! Depois me contaram que a lenda diz que o Merlin não morreu: foi vítima de um feitiço e que está lá na floresta até hoje. Só que não é no lugar em que dizem ser tumba dele! Disso temos certeza! Ele não estava lá. Ingrato!

Olha, o negócio é o seguinte: na próxima vez em que eu falar que fui atrás de uma tumba, vocês podem parar de ler a história. Não sei de onde vem essa idéia mórbida de visitar a morada eterna de gente que eu não conheci, só sei que todas as vezes em que eu fui atrás de um defuntozinho me dei mal. Uma vez tirei uma foto com a cara mais compungida do mundo na frente de um túmulo que eu achei que era do Galileu Galilei. Descobri que não era quando encontrei o verdadeiro túmulo do Galileu Galilei. Tirei outra foto, mas dessa vez já foi meio difícil disfarçar a risada. Daqui pra frente só vou atrás de um finado se eu tiver a oportunidade de ir ao Egito. Tenho certeza de que lá não vou me decepcionar, afinal as pirâmides todo mundo sabe onde fica, elas são enormes e, com certeza, valem a visita!

O Vidal até perguntou se ainda tinha mais alguma coisa para ver. Eu disse que o guia falava de uma Fonte da Juventude, mas a gente nem se arriscou a ir até lá. Ainda bem. Vi na Internet uma foto da tal fonte e ela não passa de um olho d'água perdido em algum ponto qualquer.

Voltamos dali mesmo. Claro que nos perdemos ainda uma vez antes de encontrarmos a estrada de volta. Mas foi um dia ótimo! É muito bom sair de vez em quando para espairecer!

Outras fotos desses nossos passeios já estão disponíveis no nosso Álbum de Fotos. Também descobri um site na Internet que tem fotos lindas da floresta. É claro que elas são muito mais bonitas que as nossas. Mas, tudo bem. Posso conviver com isso! Clique aqui para ver o site.

Por hoje é só pessoal! Prometo que vou tentar escrever com mais freqüência.

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