sexta-feira, abril 16, 2004

Elas me venceram! As manchas no chão da sala... Eu contei que já tinha esfregado o chão valendo sem sucesso e disse que ia atacar de água sanitária, lembram? Fiz isso e, novamente, elas não deram a menor bola para meus esforços. É preciso reconhecer uma derrota. Mas não é essa pequena batalha perdida que vai me derrubar. Não! Tenho muitas vitórias pra contar nesse lado doméstico da minha vida...

Vocês sabem que eu tinha tanta intimidade com o serviço de uma casa quanto eu tenho com mecânica de automóveis, né? Pelo menos, com os carros, eu sabia que, se por acaso tivesse um problema na rua, era só parar, abrir o capô e ficar olhando para o motor com cara de ponto de interrogação até aparecer uma alma caridosa para resolver meu problema. Pois bem. Na primeira vez que me vi diante de uma pia cheia de louça fiz o mesmo: fiquei parada olhando para ela com cara de ponto de interrogação. Não adiantou. Tentei o ponto de exclamação. Ninguém apareceu. Reticências... Nada! Percebi que era eu mesma quem tinha de resolver aquela bagunça!

Tudo bem, estou exagerando, eu sei. É claro que eu já tinha lavado louça na minha vida antes. Mas, roupa e na mão... Nunca! Quando chegamos aqui, ficamos 20 dias num apart-hotel. Num flat, para usar um termo em bom português. Depois de alguns dias eu já tinha uma pilha de meias, cuecas, calcinhas e roupas do Felipe pra lavar (como criança suja roupa!). Achei que ia ser super simples e fiz o que era óbvio: comprei uma caixa de sabão em pó, enchi uma bacia de água e coloquei tudo lá dentro. No dia seguinte, enxagüei bem, torci e, chocada, vi que tudo continuava completamente sujo! Fiquei tentando imaginar o que eu tinha feito de errado. Comecei a vasculhar minha memória em busca de filmes, novelas, essas coisas que eu podia ver quando não tinha uma casa pra cuidar, em que aparecessem mulheres lavando roupa. Lembrei! Para a roupa ficar limpa a gente tem de esfregar! Resolvi experimentar. Incrível! Não é que deu certo?

O problema é que, no terceiro par de meias (alguém pode me explicar porque fui comprar tantas meias brancas para o Felipe?), minhas mãos já estavam em frangalhos. Foi quando eu ouvi um barulhinho assim: chec, chec, chec. Olhei pro lado. Era o Felipe. Ele estava me "ajudando" a lavar a roupa. O tampo da pia da cozinha tinha uma parte cheia de ondulações. Ele tinha pegado uma peça e ficava passando para frente e para trás sobre aquelas ondulações. Olha só! Ele tinha descoberto o objetivo daquilo! Tudo bem. É meio nojento isso: lavar roupa íntima na pia da cozinha. O problema é que aqui não existe área de serviço nos apartamentos e casas. Pelo menos, não naqueles que tivemos a oportunidade de conhecer. Portanto, também não temos pia de cozinha. O que temos é um "tampia" ou um "pianque", como vocês preferirem, ou seja, uma coisa que serve ao mesmo tempo de pia de cozinha e de tanque. Pelo menos da torneira sai uma água "pelando fogo", como diz o Felipe, e a gente pode "escaldar" tudo quando muda de um serviço para o outro.

Mesmo a descoberta do Felipe ajudando bastante, ainda assim não estava achando aquilo muito legal. Sonhava com a suave melodia de uma máquina de lavar roupa funcionando! E comecei a perceber que uma casa é um lugar cheio de mistérios e fonte de muitas lendas... Primeiro exemplo: não sei se vocês sabem, mas dizem que a origem da cornucópia, aquele chifre de onde ficam jorrando eternamente frutas, sementes e coisas do gênero, seriam os cornos de uma cabra, chamada Amaltéia, que teria amamentado Zeus enquanto o poderoso fugia do pai que queria acabar com a raça dele e blá, blá, blá. Mentira! A origem da cornucópia é um cesto de roupa suja! Aquilo nunca fica vazio, por mais que a gente se esforce para lavar tudo. É impossível! A gente tenta, tenta, chega quase a esvaziá-lo, mas, um dia de bobeira e... pronto! Já está o bicho transbordando de novo. Por isso, tenho certeza de que quem inventou essa história da cornucópia só colocou essa coisa da cabra que amamenta um deus para ficar mais romântico. Na verdade, a idéia veio é do cesto de roupa suja mesmo!

E tem mais! Estou certa de que existe um buraco negro entre o cesto de roupa suja e a mesa de passar roupa. Se isso não for verdade, como explicar os pés de meia que simplesmente desaparecem? Felizmente todo mundo tem dois pés aqui em casa, mas sempre acaba sumindo um ou outro. É ou não é de espantar?

Estava começando a ficar desesperada com a tal da roupa. Me vi na obrigação de baixar decretos. Por exemplo, enquanto não tivéssemos máquina de lavar roupa, todo mundo tinha de almoçar pelado! Principalmente quando fosse comida com molho de tomate. Aliás, toalha de mesa? Dispensável! Mais fácil passar um paninho do que tentar tirar manchas de gordura de tecido. É por isso que as mesas não são mais de madeira de lei. Tudo de fórmica que é pra ser mais prático. E assim foi até comprarmos um dos grandes inventos da humanidade: uma máquina de lavar roupa. Ela é tão importante na nossa vida que vou dedicar um outro relato especialmente a ela. Esperem pra ver.

Por falar nessa história de inventos... Vou confessar uma coisa aqui. Entre os sete pecados capitais, eu reconheço fraquejar em dois. O primeiro deles é a preguiça. Admito, admito! Numa outra vida devo ter saído da barriga da minha mãe falando "ô meu rei... se avexe não...". Eu ficava meio chateada comigo mesma por causa disso. Mas comecei a refletir e cheguei à conclusão que os grandes inventos da humanidade foram criados por grandessíssimos preguiçosos. Vou explicar. Se não fosse pelo fato de alguém estar morrendo de preguiça de ter de arrastar as coisas, ainda não teria sido inventada a roda. É ou não é? Se não fosse a preguiça, porque tentar achar uma forma mais fácil de fazer alguma coisa difícil? Assim caminha a humanidade: preguiça de bater claras em neve? Liquidificador! Preguiça de ficar na frente do fogão esperando dar o horário de desligar o leite? Microondas! Preguiça de esfregar a roupa? Máquina de lavar! E por aí vai. E quem disser que não necessariamente essas coisas foram inventadas por quem, por exemplo, realmente tinha de lavar roupa, eu respondo: é verdade. O que só prova minha teoria! Essa criatura é tão preguiçosa, que tem preguiça só de pensar na tarefa que alguém teria de fazer e pimba! Inventa uma máquina. Minha preguiça ainda não me levou a inventar nada. Mas pelo menos estou com a consciência mais tranqüila...

Ahn? Qual é o outro pecado em que eu fraquejo? Ah, acho que não vou contar. Seria a avareza? Quem sabe a inveja? Ou talvez... a luxúria? Hein? Hein? Nada disso! Uma simples e mundana gula... Fazer o que...

Bem, essa gula também está tendo um efeito positivo: encontrei uma mestre-cuca escondida em mim. O problema é que o fato de cozinhar bastante me fez descobrir um outro mistério de uma casa...

Muitos cientistas já se perguntaram de onde se origina a vida. Lá pelo século XVII um maluco chamado Jean Baptista Van Helmont desenvolveu a teoria da "geração espontânea" que queria dizer mais ou menos o seguinte: a vida aparece espontaneamente a partir de uma matéria bruta. Deixe um pedaço de carne em um lugar qualquer e dias depois ele vai estar coberto de larvas. De onde vieram essas larvas? Do nada! Foram geradas espontaneamente (Coisa mais nojenta). Ele também tinha uma "receita" para a produção de ratos (chegadinho numa porquice esse tal de Van Helmont...). É claro que um monte de gente caiu matando em cima do coitado, dizendo que aquilo era um absurdo, que essa tal de geração espontânea não existia, etc., etc., etc. Homens! Mal sabem eles que a geração espontânea existe sim! É só fazer uma experiência bem simples...

Pegue uma cozinha cheia de louça suja e arrume tudo. Dê uma voltinha e reapareça logo em seguida. Você vai ver que começa a surgir, do nada, mais louça suja! Um copinho aqui, uma colherinha lá e, em pouco tempo, a pia já está cheia de novo. É ou não é uma geração espontânea? Você vai andando pela casa e lá estão elas: atrás da televisão, no chão, do lado do sofá... É uma loucura! Às vezes, elas estão mais agressivas. Você acaba de arrumar a cozinha, abre o fogão assim como quem não quer nada e encontra uma travessa imunda! Tem dias em que, além de agressivas, elas também estão abusadas: você termina a cozinha, enxuga a pia com papel-toalha (de vez em quando baixa o espírito da mania de perfeição), olha satisfeita para o trabalho concluído, vira as costas e dá de cara com um liquidificador sujo em cima do forno de microondas! É de matar!

Por favor, não confundam a geração espontânea com aquela outra coisa que acontece quando a gente se oferece, gentilmente, para lavar a louça para alguém e a dona da casa começa a desenterrar da geladeira potinhos de conteúdo geralmente cabeludo para a gente lavar. Isso não tem nada a ver com geração espontânea. Isso aí é sacanagem mesmo!

E os mistérios de uma casa não param por aí! Estou convencida de que existe um saci que passa pela nossa casa na madrugada de domingo para segunda. Sim, porque acho impossível acreditar que a bagunça que está na casa na segunda-feira de manhã já estivesse lá no domingo à noite! Tenho certeza de que isso é obra de um saci. Quer dizer, como estamos na Europa, talvez seja um Leprechaun que decidiu dar um tempo na sua tarefa de cuidar do pote de ouro que existe no final do arco-íris, e resolveu imitar o amigo brasileiro. O fato é que, saci ou duende, o resultado prático é que toda segunda-feira de manhã eu passo pelo "momento desolação" da semana quando dou uma olhada no estado geral da casa...

Do jeito que eu estou falando, até parece que estou achando ruim essa vida de mãe-esposa-dona-de-casa. Não! Tenho me divertido bastante e aprendido também. É meio cansativo, é verdade. Mas tenho criado meus mecanismos de defesa. Estou pensando em elaborar o "estatuto da dona de casa". Olhem só o que eu já carminholei:

1 - Estabeleça um horário de trabalho e cumpra-o à risca. Sua jornada se encerra às 19h00? Então encerre mesmo. Se for preciso, saia de casa, fique sentada na porta por uns cinco minutos e entre, se jogando no sofá e dizendo: "Puxa! O dia no trabalho hoje foi de matar. Nada como chegar em casa e dar uma relaxada!"

2 - Respeite seu horário de trabalho. Esses dias, quando decidi que era hora de parar, fui tomar um copo d'água na cozinha. Enquanto tomava a água, olhei para cima e pensei "Nossa! Esse lustre da cozinha está um horror!". Já estava quase pegando um paninho quando disse para mim mesma: "Nem pensar!". Se eu fizesse isso, com certeza ia dar meia-noite e eu estaria de balde em punho lavando os vidros da sala.

3 - Escolha um dia para ser o "dia da faxina". Nos outros, faça só o básico. Eu escolhi a terça-feira. Por quê? Bem, na segunda não dava (tem o problema do saci...). Na quarta-feira o Felipe não tem escola... Quinta e sexta já estão muito próximas do sábado. Do jeito que eu fiz, como os outros dias vão ser mais leves, meu final de semana já começa na terça-feira à noite (olha a preguiça se manifestando aí).

4 - Resista à tentação do "vou lavar só essa loucinha...". Não faça isso! Se você começa lavando uma loucinha, elas começam a se multiplicar feito loucas (não se esqueça da geração espontânea), e você acaba não fazendo mais nada o dia todo! Deixe acumular um tanto razoável na pia e só depois se atraque com as bandidas.

5 - Resigne-se ao fato de que, amanhã, você vai ter de fazer de novo tudo o que fez hoje. É assim mesmo. Portanto, não vale a pena querer "adiantar" as coisas. Não dá. Deixe para amanhã o que deve ser feito amanhã e pronto. Agora eu entendi uma história que a Selvina, que trabalhou na minha casa por quase 10 anos, me contou. Ela disse que o castigo dado à mulher por causa daquele episódio da maçã era ter de fazer o serviço doméstico. Ele nunca acaba e todos os dias tem de ser refeito. Bem bolado esse castigo, né? O problema é que na época da Eva, todo mundo comia com as mãos e só vestia folhas de parreira (que são descartáveis). Sacanagem o que a esposa do Adão foi fazer com a gente... Já estava na hora de o divino rever esse castigo, não é verdade?

Esses são os primeiros artigos, que tal? Ainda vou trabalhar mais em alguns detalhes. Vai ficar profissional, vocês vão ver...

De maneira geral e apesar de toda a inexperiência, tenho me saído bem. Claro, às vezes as coisas não dão muito certo, como o dia em que fui lavar o banheiro de esguicho e ele ficou fedido por uma semana! O problema é que no nosso banheiro o encanamento é todo aparente. Isso é ótimo na hora de fazer um reparo, mas cria cantos inatingíveis. Logo que chegamos aqui, empolgada pelo sucesso das minhas primeiras limpadas de banheiro, resolvi lavar tudo de verdade e taquei água valendo por trás de todos os canos. Saiu uma quantidade inimaginável de sujeira, só que ficou alguma coisa lá. Essa "coisa" ficou encharcada e demorou dias para secar. O cheiro era horrível. Não quero nem saber o que era, mas decidi que, esguicho no banheiro, nunca mais! Claro que tem a hora de o banheiro tomar banho. Nesses dias, depois que acabo o serviço, de vez em quando volto lá só pra respirar um pouquinho. Fico orgulhosa de mim mesma!

Outro fato interessante... Desenterrei de algum canto obscuro da minha memória a lembrança de algumas propagandas de amaciante de roupa. Achei que valia a pena investir nisso porque notei que as roupas ficavam meio duras depois de lavadas. Fui lá e comprei o mais barato que tinha no mercado. Bem, amaciante, como o próprio nome diz, devia amaciar a roupa, não é? Só que um dia, quando fui recolher as toalhas de banho do varal, sem querer, deixei uma delas cair no chão. Ela parou de pé! Achei aquilo meio estranho. Mas a certeza de que o amaciante não estava fazendo o trabalho dele veio no dia em que o Vidal me perguntou:

- Você tem usado amaciante de roupa?

- Tenho, por quê?

- É porque ontem de manhã coloquei uma cueca e saí de casa. Tive de andar bastante e... bem... as partes, sabe? Ficaram todas esfoladas...

Claro que ele colocou mais roupa por cima da cueca, afinal aqui faz um frio danado. Mas nesse dia tive certeza absoluta de que o ditado "o barato sai caro" é a mais pura verdade! Fui correndo ao mercado e comprei um produto mais decente! Achei uma injustiça o amaciante estar estragando meu trabalho porque, depois da máquina de lavar, tenho me saído muito bem no quesito "lavagem de roupa".

Bem, para falar a verdade, teve a ocasião em que acumulei vários panos de prato para lavar. Vocês sabem, os panos de prato... Aqueles pedaços de tecido que servem para tirar a sujeira que não saiu na esponja! Eles geralmente ficam num estado lastimável. Pois bem, muita água sanitária e sabão em pó rolou pelo meu "pianque" até que eu terminei tudo. A primeira parte da lavagem foi na mão mesmo, vejam só que progresso. Como estava empolgada na empreitada, decidi lavar também os panos de chão. Quando terminei, pendurei tudo à altura dos olhos para admirar minha obra e foi nesse momento que percebi, horrorizada, que os panos de chão tinham ficado mais brancos do que os panos de prato! Achei aquilo um absurdo! E não tive dúvida: fui lá e, imediatamente, sujei os panos de chão!

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