segunda-feira, dezembro 05, 2005

Semana passada tive um daqueles dias em que a gente devia pensar duas vezes antes de sair da cama...

Começou com um despertador que não funcionou e nos fez perder a hora...E meu dia era cronometrado. Várias coisas pra fazer de manhã, tudo rotina, mas à tarde tinha um compromisso diferente. Eu me inscrevi num grupo de uma associação que faria uma visita a uma exposição em um museu no centro de Nantes. O grupo se reuniria no museu às quatro da tarde.

Como a cidade aqui pro lado onde moramos está em obras por conta de uma nova linha de ônibus e que os engarrafamentos são impossíveis, eu tinha decidido ir de trem para o centro. Trem mesmo. Eu nunca tinha usado essa forma de transporte porque não sabia que existia por aqui, pensava que ele era reservado para a circulação entre cidades mais distantes. Eu achava que a gente tinha só ônibus (que não adianta muito, já que eles andam no meio do mesmo engarrafamento que os carros) e o bonde elétrico (que a gente chamada de tramway ou tram, para os íntimos). O tram é quase como um metrô: não atrasa, não fica em engarrafamento, mas a estação é meio longe aqui de casa e o estacionamento que tem do lado é tão lotado que não tem a menor chance de a gente conseguir um lugar. Daí eu descobri o trem: a estação fica bem pertinho da casa da babá da Ana Luíza, tem estacionamento ao lado que não fica cheio e, mesmo se ficasse, na frente tem um supermercado gigante, com um estacionamento maior ainda! Perfeito.

Era a primeira vez, então eu fui relativamente cedo para a estação chamada Saint-Sébastien Frêne Rond. Comprei as passagens de ida e volta e fui olhar o horário do próximo trem: 15h38. Eram 14h30. Mais de uma hora! E tinha passado um trem às 14h15. Que azar o meu! Além disso, estava um dia horrível, um vento de carregar (na previsão tinha dito que o vento chegaria a 100Km por hora na nossa região). Decidi ir até o mercado começar a função de Papai Noel em vez de ficar esperando na estação correndo o risco de acabar indo voando mesmo carregada pelo vento...

Voltei a tempo de pegar o trem para ir ao centro. Ele chegou 15h38 em ponto! Impressionante!

Pra voltar eu tinha visto o horário de 17h04, que eu considerei muito cedo, já que a visita ao museu começava às 16h00. Eu não teria tempo de terminar a visita, ir a pé até o ponto do tram, esperar o tram, chegar na Gare, procurar o local de embarque e embarcar no trem exatamente às 17h04. Como eu tinha visto na ida, a pontualidade do trem era seguida à risca mesmo. O problema era o horário pra pegar as crianças, mas eu tinha pedido pra uma amiga levar o Felipe pra casa dela depois da escola e tinha avisado a babá que poderia chegar atrasada, então eu poderia pegar um trem mais tarde pra voltar. E tinha um às 17h30. Perfeito!

Quando eu já estava no caminho de volta, lembrei que o Vidal tinha me pedido pra tirar dinheiro e resolvi fazer isso antes de pegar as crianças, eu tinha tempo, ainda nem eram 17h00...

Peguei a Linha 1 do tram no Commerce (bem no centro) e fui até a Gare pensando em como a Europa é civilizada, tudo funciona tão bem, tão tranqüilo... E a Gare nem é tão longe assim do Commerce, são só três pontos, mas eu tinha colocado uma bota com salto meio alto e já estava cansada. As passagens de transporte público aqui são um ticket que a gente carimba quando entra no primeiro ônibus, bonde, trem ou barco e que é válido por uma hora depois disso. A gente pode trocar de meio de transporte quantas vezes quiser nesse meio tempo. Não valia a pena gastar os meus pezinhos já cansados...

Cheguei na Gare e procurei a indicação da plataforma no painel luminoso das partidas e não vi nenhum trem para Vertou (é o nome da cidade onde fica o ponto final dele) às 17h30. Fui ao balcão de informações e peguei um papel com os horários. Nesse momento, meu sangue gelou nas veias: o trem de 17h30 só circula aos sábados e era uma quinta-feira!!! Durante a semana o horário era... olhei no meu relógio... 17h09! Exatamente naquele minuto!!! Eu tinha perdido o trem para ir pra casa. O próximo era só às 17h45.

Se alguém aí pensou em taxi pode esquecer: custa uma fortuna, são praticamente inexistentes e, como não têm asas nem hélices, ficam presos nos engarrafamentos como todos os outros carros mortais.

Saí correndo da Gare pensando: o que eu vou fazer agora? Já sei! Pego a Linha 1 do tram, desço na estação Duchesse Anne, e daí pego o ônibus 27 que pára perto da estação Saint-Sébastien Frêne Rond onde eu tinha deixado o carro. Já estava a caminho quando me toquei de que o ônibus TAMBÉM ficaria preso no mesmo engarrafamento que eu queria evitar quando deixei o carro a kilômetros de onde eu estava. Pelo menos 50 minutos pra chegar na estação, isso depois de pegar o ônibus que poderia demorar mais de 20 minutos pra chegar.

Mudei de idéia.

Peguei a Linha 1 do tram novamente da Gare para o Commerce. Lá eu pegaria a Linha 2 do tram e, chegando no Pirmil (a estação perto da minha casa cujo estacionamento é sempre lotado), eu pegaria a linha 43 do ônibus que também parava pros lados da estação Saint-Sébastien Frêne Rond. Não parava tão perto como o 27 e eu ia ter de andar um trecho, mas tudo bem.

Cheguei no ponto da Linha 1 em frente à Gare e tinha um tram. Tentei abrir a porta, mas ele já estava de partida. Tudo bem, olhei no painel luminoso que indica o horário do próximo e vi que chegava em dois minutos. Ele chegou e eu fui. Desci no Commerce e corri até o ponto da Linha 2. Uma galera inimaginável estava no ponto. Olhei o painel luminoso: dois trens da Linha 2 estavam previstos para chegar em 2 minutos. Chegou o primeiro e a multidão se precipitou para a porta. Só tive a chance de ficar já na frente pra poder pegar o próximo. Entrar naquele, nem pensar! Dentro do tram estava muito, mas muito pior do que uma lata de sardinhas.

Enquanto eu esperava chegar o outro tram olhei no relógio: 17h30. Seriam uns 20 minutos pra chegar no Pirmil, mais uns 20 minutos de ônibus, mais o trecho a pé, mais o tempo que eu teria de esperar pela chegada do ônibus. Pensei que o melhor mesmo era ter ficado na Gare e esperado pelo trem de 17h45, porque o caminho da Gare até a Saint-Sébastien Frêne Rond era feito em 9 minutos.

Voltei para o ponto do tram Linha 1. O próximo chegava em três minutos. Esperei andando de um lado para o outro, embora meus pés já estivessem em frangalhos. Se eu tivesse dinheiro pra comprar outra, jogava essa bota no lixo porque ela sempre me machuca quando eu ando muito e ainda por cima tem uma sola tão fininha que me deixa os pés gelados se por acaso for um dia de muito frio. Sem contar que entra água se estiver chovendo. Se eu não fosse tão educada, ia colocar um S no meio da palavra bota pra descrever essa infeliz!

O tram chegou. E eu fiquei do lado de fora! Fui pra primeira porta: lotado! Corri pra segunda, lotado!! Tentei a terceira, o povo que se apertava lá dentro olhou pra mim com uma cara de "pode esquecer!". Eu murmurei uns palavrões sei lá em que língua e olhei pro relógio: 17h35. Próximo tram em 8 minutos. Sem chance! O trem sairia da Gare em 10 minutos. Em pontíssimo!

Já era quase noite e eu saí em desabalada carreira na direção da Gare. Correndo mesmo. Morrendo de medo de me esborrachar no chão porque não estou muito em forma pra correr, muito menos de bota, de salto, com os pés machucados, num dia de ventania! Eu corria, olhava no relógio, desviava das pedras, procurava lugares sem paralelepípedos, diminuía a corrida pra andar rápido, olhava no relógio, voltava a correr, tentava respirar fundo pra evitar a dor de barriga, o que fazia doerem os pulmões por causa do ar gelado, aí eu parava novamente de correr, olhava no relógio, corria de novo, pensava "por que eu fui parar a academia?", voltava a andar, respirava fundo, soltava o cachecol do tamanho de uma colcha de casal que eu tinha enrolado no pescoço, tentava não pensar nos meus pés que nem doíam mais: latejavam! Foi quando começou o calor... Uma coisa engraçada, calor embaixo da jaqueta impermeável e o vento gelado na cara. Uma mistura muito esquisita.

No meio do caminho tive de parar pra esperar o sinal fechar já que ainda não consigo saltar por cima dos carros e dei uma olhada de novo nos horários de trem. Descobri que depois de 17h45, tinha um trem às 17h55, o que me acalmou um pouco. Abriu o sinal, eu disparei novamente. As pessoas que andavam tranqüilas na minha frente olhavam pra trás desconfiadas quando ouviam o toc, toc, toc, toc, da minha corrida ou a minha respiração resfolegante, sei lá. Eu nem ligava pra elas.

Enfim entrei na estação e olhei no relógio: 17h45. Tinha perdido esse também. Procurei a plataforma para o trem das 17h55. Plataforma 6. Por que nunca é perto de onde a gente está? Não podia ser 1 ou 2, tinha de ser a 6, bem longe! Lá fui eu de novo. Correndo.

Cheguei na plataforma. Tinha um trem parado e lotado. Achei que era o trem das 17h45 que ainda não tinha saído. Tentei entrar, mas sem a menor chance. Tinha neguinho saindo pelo ladrão e muita gente pro lado de fora, inclusive uma mulher que reclamava um monte. E o trem não saía. Nem sei em qual minuto caiu a ficha: aquele não era o trem das 17h45 que ainda não tinha saído, mas sim o das 17h55 que ainda ia sair! Confirmei minhas suspeitas com um controlador. Se eu perdesse aquele também, só teria outro às 18h22! E eu tinha dito pra babá e pra mãe do amiguinho do Felipe que em torno de 17h45 eu estaria lá para pegá-los! Falei pra mim mesma: "Eu vou nesse trem de qualquer jeito! Nem que a vaca tussa!" Era o terceiro trem lotado que eu pegava pela frente em 15 minutos! Quer dizer, era o terceiro que eu NÃO pegava! Nada disso! Eu, a mulher reclamona, mais um senhor simplesmente empurramos a galera pro fundo e entramos. O povo lá dentro começou a reclamar e a dizer "Vamo pará de empurrá aí, ô", ou qualquer coisa parecida, mas eu nem olhei pra dentro pra ver de onde vinha o protesto. Teve um momento em que o medo me invadiu: o maquinista tentou fechar a porta e não deu. Ela travou na mochila de um rapaz que quis também aproveitar a operação "um passinho à frente faiz favô" e se enfiou no vácuo. Qual vácuo não sei, já que não tinha espaço nenhum naquele trem e até o vácuo ocupa espaço. O vácuo que esperasse o próximo trem! Comecei a entrar em pânico. Eu tinha certeza de que o controlador ia nos tirar nem que fosse à tapa dali. Mas ia ter de ser muito tapa mesmo pra me fazer sair...

Enfim, todo mundo respirou fundo, encolheu a barriga, a porta fechou e o trem partiu.

Nessa hora, eu comecei a suar em bicas. Eu sentia o rosto vermelho, queimando, o suor escorrendo como se estivesse um dia de verão de 40 graus à sombra. Um calor insuportável, porque dentro de qualquer meio de transporte aqui tem aquecimento. Considerando que eu já estava bem aquecida pela blusa, jaqueta, cachecol, levando em conta o imenso calor humano que tinha dentro daquele trem entupido de gente e ainda lembrando do fato de que eu estava super aquecida pela corrida pra chegar ao trem, vocês podem imaginar a situação. Eu só não tinha medo de me estatelar desmaiada porque eu nunca chegaria nem perto do chão de tanta gente espremida. Eu estava grudada na porta, e nela tinha uma janela, que era de vidro, que começou a ficar embaçada. Eu mexi os olhos (que era a única coisa que dava pra mexer mesmo) pra ver se tinha mais janela embaçada, mas não. Era só eu mesmo que estava ali derretendo. Uma hora teve uma menina que falou pras amigas "Gente! Vamo pará de respirá aí! O vidro ta todo embaçado!". Eu fiz de conta que não era comigo... Me arrependi na mesma hora de não ter persisitido no regime. Se eu tivesse perdido uns 10Kg ia ter mais espaço sobrando à minha volta naquele trem...

Pra piorar, comecei a sentir um cheiro horrível, uma mistura de cocô com chulé, que eu descobri, horrorizada, que vinha de mim mesma! O problema é que a minha jaqueta é forrada de pena de ganso, ou qualquer bicho desses. Como eu suava muito, as penas começaram a exalar um odor... não gosto nem de me lembrar. Eu devia ter desconfiado do preço baixo que paguei por ela... Eu me sentia suja, colando por tudo e, ainda por cima, perfumosa daquele jeito!!! Acho que eu joguei pedra na cruz, não é possível!

Enfim, cheguei. No momento que eu desci do trem me dei conta do quanto meus pés doíam. Mas eu tinha chegado, isso era o mais importante...

Fui buscar a Ana Luíza, depois o Felipe, e ainda, o Vidal, o que significa fazer de volta o mesmo caminho, só que agora, de carro. Com aquela jaqueta fedida. Ninguém merece! Passei novamente ao lado da Gare e pelos lugares onde uma hora antes eu estava correndo feito uma maluca. O objetivo era mostrar para o Felipe a decoração de Natal da cidade, mas antes mesmo de eu chegar perto da primeira luzinha ele já estava dormindo...

Pelo menos o dia estava chegando ao fim!

Ah! E tudo isso aconteceu porque eu tinha um compromisso no museu às 16h00, lembram? Acontece que eu fui ao museu errado! Daí me perdi e, quando eu consegui achar o museu certo já eram 16h30. Eu nem tentei encontrar o grupo. Perdi o grupo, a exposição e o meu tempo. Quer dizer, tudo isso por nada!

Como eu disse no começo, realmente tem dias em que a gente não devia sair da cama! O problema é que não tem ninguém pra nos avisar!

Antes de terminar, uma coisinha:
- Ainda não tivemos a resposta oficial do artigo do Vidal, mas as esperanças são muito grandes. Eu aviso, é claro!

Um comentário:

Anônimo disse...

Ju, fiquei como uma boba aqui no computador do serviço rindo da sua história, é verdade, tens dias em que a gente poderia ter ficado dormindo...